A HISTÓRIA DOS LEPROSOS II RS 7.3-20

terça-feira, 26 de julho de 2011

 

Fim do Cerco II Rs 7.3-20

A História dos Leprosos 7.3-10

A intervenção divina que Eliseu havia predito (II Rs 7.1,2) logo teve lugar. O autor sagrado contou-nos uma interessante história lateral que esteve relacionada à sua história principal, sobre o levantamento do cerco por parte dos sírios. Aqueles miseráveis leprosos tornaram-se mensageiros das boas-novas, embora tivesse levado algum tempo para o rei de Israel descobrir pessoalmente a verdade dos fatos. De fato, o cerco havia sido levantado, e a profecia de Eliseu, ainda que improvável, fora cumprida com precisão. Isso demonstrava, uma vez mais, que ele era um verdadeiro profeta do único Deus vivo e verdadeiro, Yahweh. Israel deveria tê-lo ouvido e abando­nado sua idolatria e apostasia. Contudo, a despeito das histórias maravilhosas de milagres, Israel preferia persistir no mal. O cativeiro assírio não estava longe. Israel em breve deixaria de existir como uma nação.

7.3

Quatro homens leprosos. Os leprosos, muito provavelmente, estavam abri­gados em cabanas que havia fora do portão da cidade de Samaria.

A legislação mosaica requeria que eles fos­sem isolados (ver Lv 13.46). A palavra hebraica sara'at, traduzida pelas versões mais antigas como "lepra", provavelmente incluía essa enfermidade, mas também incorporava outras enfermidades cutâneas, até mesmo míldios e fungos que nada têm a ver com a lepra (doença de Hansen).

A fantasia judaica põe o ex-servo de Eliseu, Geazi, e seus filhos, entre os leprosos que figuram nessa história (Talmude Bab. Sotah, folha 47.1 e Sanh. foi. 107.2). Ver II Rs 5.20 ss quanto à história de Geazi, sobre como ele se tornou um leproso por causa de sua ganância.

7.4

Vamos, pois, agora. As vítimas da sara'at dependiam de sua própria agricul­tura e da caridade alheia. Elas tinham de organizar-se em comunidades separa­das e autossustentadas, mas as referências históricas e literárias mostram-nos que, com frequência, viviam como esmoleres. É provável que os leprosos que figuram na presente história também vivessem como esmoleres. O povo de Samaria deixou de suprir-lhes alimentos, porquanto eles mesmos nada tinham para comer, em face do cerco dos sírios. Portanto, fora das muralhas da cidade, lá estavam eles, padecendo fome, tal como o resto dos cidadãos de Samaria e daquela região geral.

A Condição Era Desesperadora. Eles estavam famintos. Portanto resolveram entregar-se aos sírios, pois eram estes que tinham alimentos. A pior coisa que poderia acontecer seria os sírios matarem aqueles pobres esmoleres leprosos. Mas talvez lhes fosse dado algo para comer e assim salvar a vida deles. Em desespero, resolveram arriscar a própria sorte.

7.5

Levantaram-se ao anoitecer. Os leprosos dirigiram-se ao acampamento dos sírios, em seu ato de desespero. Mas, chegando ali, não encontraram um único homem. Marcharam atravessando o acampamento inteiro. Procuraram al­guém por toda a parte. De fato, o acampamento estava totalmente deserto.

A nossa versão portuguesa diz "ao anoitecer". O versículo nono confirma que eles foram até o acampamento dos sírios durante a noite. Ao amanhecer o dia, entretanto, foram contar as boas-novas aos habitantes de Samaria. Por outra parte, é difícil ver por que os leprosos se internaram no acampamento dos sírios à noite. A palavra hebraica nehshaf pode indicar o começo ou o fim da noite, um tempo quando ainda há alguma luz do sol, ou no fim da madrugada, antes do sol aparecer no horizonte.

7.6

Fizera ouvir no arraial dos sírios ruído. A razão da partida dos sírios. Yahweh fizera soar o ruído como de um imenso exército, equipado com inúmeros cavalos e carros de combate. Os sírios chegaram imediatamente à conclusão de que o rei de Israel havia alugado um grande exército de mercenários para lutar contra eles. Seus inimigos perenes, os hititas e os egípcios, facilmente concorda­riam em lutar em troca de dinheiro, de modo que esses povos deveriam estar envolvidos, raciocinaram os sírios.

O modus operandi do ruído não foi explicado pelo autor sagrado. Alguns estudiosos supõem que uma hoste de anjos tenha sido responsável pelo ruído.

7.7

Pelo que se levantaram, e, fugindo ao anoitecer. A fuga dos sírios foi completa e precipitada. Os sírios, aterrorizados pelo ruído divinamente provo­cado, partiram sem levar coisa alguma. Deixaram intacto o próprio acampa­mento e até abandonaram os animais, seguindo a pé. Deixaram para trás todos os seus objetos valiosos e seus alimentos. Os saqueadores certamente tiveram um dia de abundância! "Este versículo nos dá um vívido quadro de uma fuga apressada, na qual tudo foi esquecido, exceto a segurança pessoal" (Ellicott, in loc).

7.8

Comendo e Enriquecendo. Os leprosos atravessaram todo o acampamento dos sírios, apossaram-se de toda espécie de alimento e bebida, e reuniram coisas valiosas como prata, ouro e vestes. Eles entravam e saíam do acampamento, recolhendo cada vez mais e escondendo tudo. Josefo diz-nos que eles fizeram quatro assaltos ao acampamento (ver Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 4). Aqueles leprosos tinham acabado de tornar-se financeiramente independentes. Eles tinham um suprimento para a vida inteira de tudo quanto poderiam precisar. Oh, Senhor! Concede-nos tal graça!

Era uma prática oriental comum esconder artigos de valor no chão ou em lugares secretos nas casas. Isso lhes servia de bancos. Os antigos não dispu­nham de cofres, como nós os possuímos modernamente.

7.9

Não fazemos bem: este dia é dia de boas novas. Um toque de consciên­cia. Aqueles leprosos, antes pobres mas agora ricos, tiveram um estalo em sua consciência. Ali estavam eles, comendo, bebendo e alegrando-se, e enriquecen­do, enquanto mulheres e crianças sofriam de inanição na cidade de Samaria. Eles não estavam "agindo corretamente". Além disso, se continuassem a agir como estavam fazendo, não compartilhando do que tinham achado, algum castigo poderia alcançá-los, por causa de seu-egoísmo. Assim sendo, chegaram à conclu­são de que era tanto no interesse próprio como no interesse da comunidade, que eles espalhassem as boas-novas.

"Nessas verdades encontramos uma verdade profunda. Em nenhum departa­mento da vida pode alguém receber um grande presente e recusar-se a comparti­lhar sem que pratique grande mal. Quando um homem tem grandes riquezas mas as guarda para si mesmo, sofre deterioração moral. Quando uma pessoa tem o benefício de ter recebido uma boa educação, mas usa essa vantagem somente para fins pessoais e egoístas, em lugar de usá-la como um instrumento de serviço social, sua educação torna-se uma maldição para ele, em lugar de uma bênção" (Raymond Calking, in loc).

Precisamos publicar as nossas boas-novas. Já recebemos o dom inefável, as insondáveis riquezas de Cristo. Uma maldição aguarda aqueles que não compar­tilham essas bênçãos (ver I Co 9.16).

"Em lugar de sofrer como criminosos, eles preferiram ser tratados como heróis. Assim sendo, decidiram retornar a Samaria e proclamar suas boas-novas" (Thomas L. Constable, in loc).

7.10,11

Logo os leprosos estavam nos portões de Samaria, comunicando as boas-novas aos porteiros da cidade. Dali, o recado espalhou-se até a casa do rei. Aqueles homens tinham cumprido os ditames de sua consciência, e ninguém tiraria deles as riquezas que haviam adquirido de maneira tão surpreendente. Yahweh tinha feito intervenção em favor de Israel; os sírios haviam fugido por causa do ruído divino (ver o vs. 6 deste capítulo). Yahweh também havia intervin­do em favor daqueles miseráveis leprosos: agora eram homens financeiramente independentes. Isso reflete a posição do teísmo. O Criador não é uma força distante que criou, mas então abandonou o seu universo (conforme ensina o deísmo). Pelo contrário, Ele continua vivendo entre os ho­mens; Ele recompensa e castiga; Ele intervém na história humana, coletiva e pessoal. Ele se preocupa até com os pardais que caem no chão (ver Mt 10.29).

Os leprosos contaram a história exatamente conforme tinham acontecido as coisas, sem nada adicionar e sem nada subtrair. Os sírios haviam realmente fugido; eles tinham, na realidade, deixado para trás seus animais, seus alimentos e seus objetos valiosos. O acampamento deles tinha sido reduzido a uma cidade-fantasma.

7.12

Bem sabem eles que estamos esfaimados. Um alegado truque dos sírios. O rei de Israel não aceitou a palavra dos leprosos como se eles representassem a verdade inteira. Sim, os sírios haviam abandonado o seu acampamento. Não, eles não tinham voltado para a Síria, pensou o rei. Antes, estavam tramando um ardil. Os famintos israelitas sairiam correndo pelos portões da cidade para obter alimen­to no acampamento dos sírios. E, então, de súbito, os inimigos se atirariam sobre o povo e matariam todos. Por conseguinte, o rei de Israel recomendou extrema cautela. Os sírios não tinham sido capazes de romper a resistência dos samaritanos (conforme estes poderiam pensar); e assim, um truque faria o que a fome não tinha conseguido fazer.

7.13,14

Tomaram, pois, dois carros com cavalos. Um Teste. Um dos oficiais do rei de Israel sugeriu que se fizesse uma espécie de teste, conforme o que os lepro­sos tinham feito. Samaria enviaria uma companhia de pessoas que serviria de teste. Eles sairiam com duas carroças e cavalos, para ver se os sírios os atacari­am. Além disso, observariam cuidadosamente todo o terreno em redor, para ver se o inimigo estaria escondido em algum lugar. Assim fazendo, eles poderiam ser mortos; mas, se permanecessem na cidade, morreriam de fome de qualquer maneira. Portanto, lançaram sua sorte ao destino. Foi um esforço de "fazer ou morrer".

O oficial sugeriu que cinco cavalos e seus cavaleiros se arriscassem. Em lugar disso, entretanto, saíram duas carroças puxadas por dois cavalos cada uma.

O versículo 14 pode dar a entender que uma única carroça, com seus dois cavalos, e provavelmente uma equipe de dois homens, saiu da cidade. Mas o hebraico diz, literalmente, "duas carroças de cavalos", isto é, duas carroças com dois cavalos cada uma.

Assim sendo, eles saíram, tendo pouco que perder e (talvez) muito que ganhar, a mesma situação que os leprosos haviam enfrentado. Situações desesperadoras exigem esforços desesperados.

7.15

O grupo de risco aproximou-se primeiramente do acampamento dos sírios, e depois foi até o Jordão, espiando o território. Isso significa que eles percorreram cerca de quarenta quilômetros no total. Não encontraram, contudo, um único sírio. O que eles encontraram foram evidências de uma retirada precipitada. De fato, a retirada havia sido caótica. Eles haviam deixado para trás uma trilha de vestes e equipamento. Ao que tudo indica, haviam atravessado o rio Jordão e desapareci­do. "Em seu espanto e medo, eles lançaram fora as vestes e as armaduras de guerra que os tolhiam" (John Gill, in loc). Josefo fala em armaduras como inclu­sas entre os itens abandonados pelos sírios (ver Antiq. 1.9, cap. 4, sec. 4). (na ajuda 2 estarei colocando a historia por Josefo)

Um bom relatório foi dado ao rei de Israel, e muitos dos habitantes de Samaria imediatamente mobilizaram-se para ir buscar tanto quanto pudessem; que servis­sem primeiramente a si mesmos, e depois, vendessem o que pudessem a outros.

7.16

Comendo e saqueando. Os famintos israelitas imediatamente invadiram o rico acampamento sírio. Havia ali muitos alimentos e artigos valiosos que os leprosos não tinham conseguido tomar. Primeiramente, cada pessoa encheu o estômago com alimentos, e então encheu suas sacas com objetos de valor. Assim, de repente, houve abundância de alimentos, que logo eram comerciados. Os preços cobrados pelos artigos foram exatamente aqueles preditos pelo profeta (ver em II Rs 7.1). Isso foi o cumprimento da "palavra de Yahweh", visto que o profeta tinha proferido a palavra do Senhor, e não a sua própria palavra. Aqueles que não tinham corrido para o ex-acampamento dos sírios, e que haviam preferido ficar em Samaria, logo estavam comprando alimen­tos dos que tinham ido. Admiramo-nos por qual motivo, naquele dia, o alimento não poderia ter sido distribuído de graça; mas a verdade é que a generosidade do homem não é muito grande. O eu sempre se faz presente, querendo mais. Assim, vemos o espetáculo de "comerciantes" de estômago cheio a vender cereal sírio para seus vizinhos famintos!

7.17

O povo o atropelou na porta, e ele morreu. Cumprimento da terrível predi­ção. O oficial do rei que havia duvidado da verdade da profecia de Eliseu, contra quem fora proferida uma maldição (vs. 2), ficou encarregado de cuidar do portão, para manter as coisas sob controle. Mas a multidão se precipitou loucamente, e o pisoteou até a morte, tal e qual o "homem de Deus" havia dito que aconteceria. O comércio pegou fogo naquele dia. O cereal sírio estava sendo vendido em grande quantidade. A multidão parecia enlouquecida, de tanto vender e comprar. O pobre oficial do rei perdeu a vida no meio daquela loucura. "Portanto, ele viu a abundân­cia de alimentos, mas não participou dela, conforme Eliseu havia predito que aconteceria (vs. 2)" (John Gill, in loc).

Além da atividade de comprar e vender, o povo se precipitava pelo portão da cidade para ir visitar o ex-acampamento sírio, o que só aumentava a confusão. Era impossível manter a ordem.

"Aquele homem havia ridicularizado a capacidade de Deus fazer aquilo que Ele disse que faria (ver o vs. 2). A sorte que Eliseu havia predito o alcançou" (Thomas L. Constable, in loc).

7.18

Assim se cumpriu o que falara o homem de Deus. Este versículo repete o que já fora dito nos versículos segundo e décimo sexto deste capítulo. Foi algo realmente notável, que mereceu ser reiterado. O "homem de Deus" havia dito que "amanhã" o cereal estaria sendo vendido pelos preços mencionados, e essa pre­dição parecera claramente impossível, considerando os itens pouco apetecíveis (cabeças de jumentos e esterco de pombas, II Rs 6.25) que, no dia anterior, estavam sendo vendidos a preços astronômicos. Yahweh fizera o impossível. Foi um dos maiores milagres esse de livrar o povo dos inimigos de Israel, ao mesmo tempo que havia provisão alimentar abundante, tudo ao mesmo tempo.

7.19

Este versículo faz referência ao versículo segundo deste capítulo, o ridículo lançado pelo oficial do rei de Israel. Seria claramente impossível que o cereal fosse vendido por qualquer preço em Samaria, no dia seguinte, quanto menos ao preço que o profeta havia estipulado. Para que isso acontecesse, seria necessário que Yahweh abrisse as janelas do céu e vertesse o cereal sobre a terra, conforme fazia cair a chuva. O homem falou com sarcasmo sobre a profecia de Eliseu, e no dia seguinte pagou com a própria vida a sua insolência.

O autor sagrado queria que entendêssemos que fora Yahweh quem fizera aquele milagre. Ele deu ao povo alimento mediante um método miraculoso. Quem fez aquilo não foi Baal, que era apenas um conceito imaginário, circundado por ídolos destituídos de vida. O milagre foi mais um chamado para Israel arrepender-se e abandonar a idolatria. Mas foi outro convite inútil. Israel estava enterrado até o pescoço em sua degradação.

7.20

Este versículo tece considerações sobre os versículos segundo e décimo sétimo deste capítulo. O homem que havia ridicularizado a profecia de Yahweh e Seu profeta, por meio de quem, se dera a conhecer, sofreu exatamente aquilo que foi predito a respeito dele. Ele foi pisoteado até morrer, no portão da cidade, para onde o rei o enviara para ajudar a manter a ordem. Foi vítima de sua própria incredulidade, uma história muito antiga entre os homens.

Bibliografia R. N. Champlin

 

FONTE:EBD AREIA BRANCA

A MULTIPLICAÇÃO DOS PÃES PARA OS CINCO MIL

 

 

Multiplicação Dos Pães Para os Cinco Mil

I. Descrição

Esta seção, que é um dos milagres sobre a natureza feitos por Jesus, é o único milagre relatado em todos os quatro evangelhos. (Ver Mc 6:30-44; Lc 9:10-17; Mt 14:13-21; Jo 6:1-14). Sem dúvida chegou até nós proveniente de várias fontes, conforme se demonstra no manuseio diferente do incidente nos quatro evangelhos. Alguns estudiosos supõem, entretanto, que o que temos é apenas o manuseio diverso de uma única tradição. Isso é menos provável, entretanto. A menção dos «pães de centeio» (Jo 6:9) faz-nos lembrar do milagre de Elias, em II Reis 4:42-44. (Ver também I Rs 17:9-16). Porém, a despeito das similaridades, não há motivo para supor-se que temos aqui meramente uma narrativa inventada, mediante a qual o evangelista queria ensinar que Jesus é, espiritualmente falando, o pão da vida. Não tenhamos dúvidas de que Jesus possuía o poder de realizar o que lhe é atribuído aqui, rejeitando todas as interpreta­ções — céticas e racionalistas — que buscam roubar-lhe — sua glória — e o seu altíssimo desenvolvimento espiritual, obtido mediante a comu­nhão com o Espírito Santo. Isso também está franqueado a nós, pelo que temos grande lição para as nossas próprias vidas. Assim, se quedamos admirados ante o que ele dizia e fazia, resta-nos lembrar que o intuito do evangelho é que tudo quanto havia em Cristo também se acha em nós (ver Jo 12:14; Cl 2:10; II Co 3:18; Ef 3:19 e II Pe 1:4). Esse é o aspecto da vida de Jesus que mais facilmente esquecemos. Sua vida, e não apenas sua morte, se reveste de imensa importância. Ele é o Caminho; mas é também o Pioneiro do caminho, o qual mostra aos homens como eles podem e devem retornar ao Pai. Nesse retorno há comunhão de natureza dentro da família divina, conforme se aprende em Hb 2:10 ss. Essas são doutrinas elevadíssimas, que excedem infinitamente à mensagem do mero perdão de pecados e de transferência de cidadania para os céus. O evangelho consiste muito mais do que se realiza em nós, e não do lugar onde habitaremos.

Comer e beber são metáforas familiares que apontam para a satisfação de nossas necessidades espirituais. (Ver Jesus como o pão da vida, em Jo 6:48).

O milagre envolveu a multiplicação de matéria física, um ato de criação. Existem pessoas que, a despeito de aceitarem diversos outros milagres de Jesus, especialmente curas, negam este prodígio, achando que só pode ter tido origem psicológica ou psíquica. É evidente que, nessa ocasião, Jesus se utilizou de seus poderes divinos, ou, pelo menos, sobrenaturais, em vez de expressar a sua personali­dade humana, que no caso dele era extraordinaria­mente desenvolvida por causa de busca e experiência espirituais. Jesus usualmente usou esses poderes, disponíveis a qualquer indivíduo que use os meios fornecidos por Deus para desenvolver-se espiritual­mente. É verdade que nos utilizamos do poder do Espírito Santo, porém devemos lembrar que esse poder é dado ao homem não somente como instrumento para ser usado em separado da personalidade humana, porquanto o poder do Espírito Santo é outorgado ao homem para que faça parte de sua própria personalidade.

O plano do evangelho é transformar o ser humano até que ele se torne um ente superior, mais poderoso e mais inteligente do que os anjos; portanto, o poder do Espírito Santo vem fazer parte da expressão humana. Ver em Rm 8:29 sobre essa transformação do ser humano segundo a imagem de Cristo. Mas aqui, neste texto, achamos um tipo de milagre que certamente está além da capacidade da personalidade humana, pois se trata de um milagre que ilustra os poderes divinos de Jesus. Lembremo-nos que ele operou outros milagres sobre a natureza, como quando a água foi transformada em vinho (João 2), quando andou à superfície do mar (vss. 22,23 deste capítulo), ou quando fez cessar a tempestade (Mt 8:23-27), etc. Jesus, portanto, mostrou que era capaz de operar milagres de criação.

II. Interpretações

1. Interpretação natural. Como as pessoas que tinham levado alimentos repartiram-nos com os que nada tinham levado, quando Jesus distribuiu os dois peixinhos e cinco pães, e então todos fizeram o mesmo com o que cada um possuía, fica eliminado o elemento miraculoso. Essa é a interpretação exegéti­ca, pela qual não houve milagre, mas apenas exemplo moral.

2. Interpretação mitológica. Não há base histórica para essa narrativa. Mateus lançou mão de exemplos do V.T., como Êx 16; I Rs 17:8-16 e II Rs 4:1,42, onde há histórias de fornecimento de alimentos por meios milagrosos.

3. Há a interpretação simbólica, que diz que diversas referências feitas a Jesus como o pão da vida, ou a instituição da Ceia, etc, formaram a mentalidade da igreja sobre a necessidade de inventar (ou de admitir a existência de) um milagre dessa natureza. Essa interpretação nega que o milagre tenha qualquer base na realidade histórica.

4. Há a interpretação parabólica, que diz que a intenção do autor foi apresentar um tipo de parábola, e não a de narrar um acontecimento verídico. Todas essas quatro interpretações represen­tam esforços da imaginação. O texto não dá nenhuma indicação de tais possibilidades. É óbvio que a intenção dos quatro autores dos evangelhos foi mostrar que ocorreu um milagre notável na vida de Jesus.

5. A interpretação verdadeira é a que aceita a narrativa como um milagre notável e autêntico, feito por Jesus. Os intérpretes oferecem diversas ideias sobre á natureza do milagre e sobre o modo de agir de Jesus, como: a. Milagre abstrato, feito pelo poder divino, sem qualquer tentativa para explicar seja o que for, acerca das influências morais ou mentais que provocaram o milagre ou seu registro nos evangelhos. Essa ocorrência, pois, simplesmente demonstrou o poder divino de Jesus, que ultrapassa qualquer possibilidade de explicação, b. O milagre foi realizado a fim de ilustrar o poder miraculoso de Jesus e para ensinar lições espirituais e morais. Alguns intérpretes estendem essa ideia à eucaristia. O ato de Cristo serviu de exemplo ou símbolo da provisão de Deus para todas as necessidades do homem, em Cristo. Alguns expositores chegam a pensar que esse milagre foi símbolo do «milagre» da eucaristia, no qual o sangue e o corpo de Cristo são miraculosamente multiplicados, naquilo que se chama de doutrina da «transubstanciação». Aqueles que defendem essa interpretação também tentam explicar como o ato se verificou: a. pelo uso de matéria física já presente nos peixes e no pão, porém multiplicada. Assim Jesus não fez alguma coisa do nada, mas tão somente usou o seu poder para aumentar a quantidade de matéria já existente. Talvez seja possível essa explicação do milagre, mas dificilmente se pode afirmar outro tanto no que tange ao milagre da transformação da água em vinho; b. outros acham que o milagre deve ter incluído criação e não apenas multiplicação de matéria, o que o tornaria um milagre notabilíssimo, porque representou, em miniatura, uma nova criação. Por essa razão, sendo um milagre tão notável, é que os quatro evangelistas o teriam registrado. Todas essas explicações envolvem questões que dificilmente podem ser explicadas, porquanto nada se sabe sobre o poder de Deus quanto à criação da matéria. Pelo menos, podemos confirmar que o texto ensina um milagre verdadeiro, e que com grande probabilidade os autores dos evangelhos tiveram a intenção de ilustrar o notável poder de Jesus; outrossim, quiseram ensinar que Jesus era o pão da vida (conforme ele mesmo explica no sexto capítulo de João). A doutrina da transubstanciação, ensinada à base deste texto, não passa de um exagero de interpretação. Ver Mt 14:16,17.

A despeito do fato de que este texto relata um importante milagre de Jesus, também devemos notar que fica ilustrado, ao mesmo tempo, o intenso ministério de Jesus no tocante ao ensino. Durante todo esse tempo, a principal atividade de Jesus foi a do ensino. Ver Mt 15:32.

 

Bibliografia R. N. Champlin

 

FONTE:EBD AREIA BRANCA

QUANDO DEUS TRANSFORMA O SOFRIMENTO EM PORTA DE ENTRADA PARA O EVANGELHO

terça-feira, 19 de julho de 2011

 

 

Quando Deus transforma o sofrimento em porta de entrada para o evangelho

O apóstolo Paulo enfrentou toda sorte de provações e sofrimentos desde sua conversão. Foi perseguido em Damasco, rejeitado em Jerusalém, esquecido em Tarso, apedrejado em Listra, açoitado e preso em Filipos, escorraçado de Tessalônica, enxotado de Beréia, chamado de tagarela em Atenas e de impostor em Corinto. Enfrentou feras em Éfeso, foi preso em Jerusalém, acusado em Cesaréia, enfrentou um naufrágio na viagem para Roma e foi picado por uma cobra em Malta. Mas, ao chegar algemado na maior metrópole do mundo, a capital do império, Paulo escreveu sua carta aos filipenses, dizendo que as coisas que lhe haviam acontecido tinham contribuído para o progresso do evangelho. A palavra “progresso”, na língua grega, era usada para os engenheiros que abriam estradas para as viagens do imperador. O sofrimento do cristão abre portas e caminhos para o avanço do evangelho. Porque Paulo estava preso, três coisas muito importantes aconteceram:
1. Os crentes foram mais encorajados a pregar a Palavra. O ministério de Paulo não foi limitado com sua prisão, pois se considerava prisioneiro de Cristo e embaixador em cadeias. Mas o ministério da igreja foi ampliado com suas cadeias. A igreja sentiu-se mais encorajada a pregar. É bem verdade que algumas pessoas passaram a pregar o evangelho com motivações duvidosas, com o propósito de despertar ciúmes em Paulo. Mas, como estavam pregando o evangelho e não uma outra mensagem, Paulo se regozijava em ver que seu sofrimento estava abrindo picadas para o avanço de novos obreiros e alargando estradas para a caminhada mais rápida do evangelho. Deus não desperdiça sofrimento na vida de seus filhos. O sofrimento dos filhos de Deus contribui para o progresso do evangelho.
2. Os membros da guarda pretoriana foram evangelizados. Porque Paulo estava algemado, sob os cuidados do imperador, dois soldados da guarda pretoriana eram algemados a ele, em três turnos por dia, durante dois anos. Esses guardas faziam parte de um grupo de elite. Eram dezesseis mil soldados de escol, gente que tinha trânsito livre no palácio e influência política no império. Nesses dois anos, Paulo estava com as mãos presas, mas seus lábios estavam livres para testemunhar. Nesse tempo, Paulo evangelizou esses soldados e os demais membros do palácio. Nero, o imperador, não sabia, mas Deus o havia constituído em presidente das missões estrangeiras do império, pois havia colocado no palácio o maior missionário da igreja e diante dele o seu auditório. Durante essa prisão em Roma, Paulo ganhou muitas pessoas para Cristo, a ponto de escrever aos filipenses: “Os santos vos saúdam, especialmente os da casa de César” (Fp 4.22). No sofrimento os filhos de Deus podem testemunhar e colher muitos frutos para a glória de Deus.
3. Cartas abençoadoras foram escritas. Porque Paulo estava preso, ele não podia visitar as igrejas. O que ele fez? Começou a escrever cartas e essas cartas são verdadeiros tesouros ainda hoje. Que cartas foram escritas dessa primeira prisão em Roma? Efésios, Filipenses, Colossenses e Filemom. Essas epístolas têm sido luzeiros a brilhar para milhões de pessoas em todo o mundo. São cartas inspiradas pelo Espírito de Deus que têm edificado a igreja, consolado o rebanho de Cristo e sido instrumentos para levar tantos outros aos pés do Salvador. Para um observador desatento, a vida de Paulo estava à deriva. Por todo lado por onde passava era açoitado pelo azorrague do sofrimento, mas Deus estava no comando em cada circunstância, transformando os sofrimentos do apóstolo em abertura de novos caminhos para a proclamação do evangelho. De fato a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória acima de toda comparação. Não precisamos nos desesperar no vale da dor, pois nosso Deus é especialista em transformar nossos sofrimentos em portas de entrada para o evangelho.

Rev. Hernandes Dias Lopes

Ezequiel designado Atalaia de Israel (Ez.3.16-21)

sexta-feira, 8 de julho de 2011

 

Ezequiel Designado Atalaia de Israel (3.16-21)

3.16

Outra Etapa da Missão. O profeta teve sete dias de descanso e meditação. Então, o poder de Yahweh o pegou novamente. Agora chegara o tempo de agir, pois a mensagem tinha de ser entregue aos exilados. A comissão do profeta foi renovada e ele sentiu grande responsabilidade de agir como um herói. O Targum nos informa aqui que "a palavra de profecia" foi dada a Ezequiel, nesta experiên­cia; assim, ele ficou qualificado para agir como profeta de Yahweh.

3.17

Filho do homem. Yahweh frequentemente utilizou este título para referir-se ao profeta. Aquele fraco filho de homem seria feito o poderoso ataiaia de Israel. Cf. Is 56.10; Jr 6.17 e Os 9.8, onde o mesmo título é empregado. Os atalaias se posicionavam sobre os muros da cidade, sobre topos de colinas, às vezes sobre torres de água ou instalações militares, pois precisavam de visão panorâmica. O trabalho deles consistia em avisar o povo sobre a aproximação de qualquer perigo. Eles serviam como protetores do povo e trabalhavam em favor do seu bem-estar. Ezequiel tornou-se o atalaia espiritual do pequeno remanescente de judeus no cativeiro babilônico. Um Novo Israel estava sendo preparado por seus esforços. Seu trabalho era "pequeno", mas tinha grandes implicações. O ata­laia avisou o povo da chegada do julgamento, por causa de sua idolatria-adultério-apostasia. Ele deu instruções morais e espirituais. A figura do ata­laia será repetida em Ez 33.2-6. Ver também I Sm 14.16; II Sm 18.24-27; II Rs 9.17-20 e Is 21.6.

3.18

As advertências espirituais dos vss. 18-21 não se referem à alma e à condenação eterna em uma vida além do sepulcro, embora, comumente, intér­pretes utilizem este trecho com tal aplicação. Podemos fazer essa aplicação, porque as palavras são aptas a esse fim, mas o que está em pauta é a destrui­ção pelas mãos dos babilônios. As palavras podem incluir a ideia de desastres, pragas e revoltas da natureza, que massacram a vida humana. A vida prometi­da aos obedientes e convertidos seria tranquila e longa na Terra Prometida, onde os habitantes teriam o privilégio de promover o culto a Yahweh, fonte de todas as bênçãos. Em outras palavras, o texto se refere à salvação temporal, não espiritual.

Casos Específicos:

1. O primeiro caso estipulado é o do homem pecaminoso, rebelde, apóstata (coletivamente, Judá-Jerusalém); este ímpio recebe a advertência de Yahweh. Os babilônios trariam a morte, que chegaria na forma de um imenso massa­cre. Presumivelmente, o próprio profeta pereceria com o povo. Além dos ataques dos babilônios, haveria doenças, desastres naturais e uma variedade espantosa de calamidades. Mas nada, no trecho presente, fala sobre a alma e o julgamento do outro mundo.

É óbvio que este texto não menciona nada sobre o problema da segurança do crente, embora alguns intérpretes o utilizem desta maneira. "A referência aqui é obviamente à morte física" (Charles H. Dyer, in loc).

3.19

2. O segundo caso é o reverso do primeiro (vs. 18). Se o profeta cumprisse sua missão, mas os desobedientes permanecessem rebeldes e morressem nessa condição, ele entregaria sua vida por causas destas consequências. Cf. Is 49.4-5; At 20.26 e I Tm 4.16.

3.20

3. O terceiro caso é o do homem justo (segundo os padrões do Antigo Testa­mento, o homem que obedece à lei mosaica e participa do culto a Yahweh). Este homem cumpre seus deveres, mas finalmente abandona sua fé (como Judá fez quando correu atrás da idolatria de seus vizinhos). Este homem, ontem justo, agora é um ímpio como o resto da Judá apóstata; contra ele Yahweh agirá; sua bondade anterior não o ajudará nem um pouco. Com a iniquidade, ele anula sua condição anterior, cai e morre. Todavia, o ministro que o advertiu fica livre de sua culpa. O texto não se refere a um homem que ontem estava salvo, mas hoje está perdido, e, se morrer nesta condição, sofrerá julgamento eterno; esta é a interpretação de alguns ansiosos que querem um texto de prova para sua doutrina arminiana. O texto fala especifi­camente do golpe de morte do exército babilônico, que executou uma nação inteira e obviamente dos indivíduos daquela nação. A segunda morte não está em pauta.

Tropeço. Cf. Is 8.14; I Co 1.23; Rm 8.32-33; I Pe 2.8. A bondade que o homem praticou no passado não pode agir como um tipo de crédito, para evitar consequências desastrosas de uma vida pecaminosa presente. Ele não pode tirar algum dinheiro de seu banco espiritual e pagar os débitos de uma vida atual de apostasia. A Lei Moral da Colheita segundo a Semeadura garantirá que esse homem pague o que deve: ele morrerá.

3.21

4. O quarto caso é o do homem bom que se tornou melhor ainda. Os ensinamentos do profeta fiel o ajudaram; ele obedeceu aos mandamentos e agiu com justiça. Esse homem será poupado das calamidades que trazidas pelos babilônios. Ele também escapará aos castigos da natureza, não ficará doente, terá uma vida longa, saudável e próspera. É bom negócio ser bom. Cf. o sentimento do Novo Testamento:

Obedecei aos vossos guias e sede submissos para com eles; pois velam por vossa alma, como quem deve prestar contas, para que façam isto com alegria e não gemendo. (Hb 13.17)

 

Bibliografia A T I

Fonte: EBD AREIA BRANCA

 

Ezequiel Designado Atalaia de Israel

O atalaia silencioso Ez 3:16-27

 

O atalaia silencioso Ez 3:16-27

16-21. Assim como Habacuque se postou na sua torre de vigia (Hc 2:1), assim também Ezequiel é nomeado atalaia para o povo de Israel (17). A expressão empregada é literalmente: "Dei-te para ser atalaia," o que significa que a nomeação de Ezequiel como profeta para avisar os exilados acerca da sua ruína iminente era, na realidade, um ato de graça da parte de Deus. O termo atalaia era comum para os verdadeiros profetas de Javé (cf. Is 56: 10; Jr 6: 17; Os 9:8). A função deles era ficar alerta à situação em derredor deles, escutar a palavra de Deus sempre que ela vinha a eles, e repeti-la ao povo com exatidão. Inevitavelmente isto significava que, tão frequentemente como o contrário, os profetas agiam como mensageiros de julgamento para um povo pecador, e Ezequiel não era exceção. Sua mensagem dizia respeito às consequências sérias do pecado. Para o perver­so, ou seja, o homem que não temia a Deus e vivia uma vida de desafio aberto aos Seus mandamentos, sua mensagem era: Certamente morrerás (18). O justo também precisava de ser avisado: se estava se desviando do caminho da justiça, precisava de uma advertência tanto quanto o perverso, e ainda que estivesse conservando-se na sua justiça, continuava necessitan­do do ministério constante de ser advertido a não pecar. O santo precisa dos avisos do atalaia tanto quanto o pecador.

Dizer, no entanto, que Ezequiel, mediante as suas advertências, salvaria a sua alma (19, 21) é muito enganoso. A palavra hebraica nepes tem uma vasta gama de significados, desde "garganta" até "pessoa," mas signi­fica "alma" somente no sentido em que chamamos uma pessoa de "uma alma." O hebraico não tem conhecimento de alma como uma parte consti­tuinte do homem. O homem era nepes, uma pessoa, uma unidade. A RSV, portanto, tem razão em traduzir "tu terás salvo a tua vida."

O que se quer dizer com o justo (20)? Devemos tomar o cuidado de não atribuir a doutrina do Novo Testamento ao Antigo e interpretar esta palavra à plena luz da justificação paulina. O justo (heb. saddiq) era essencialmente o homem que demonstrava, pela sua vida virtuosa, lealdade à aliança. Nem é preciso lembrar que era obediente na realização das observâncias religiosas necessárias, mas os profetas do século VIII deixam claro que muitos as realizavam com entusiasmo, e estavam longe de serem justos. Mesmo assim, dentro da esfera da comunidade da aliança, que incluía todos os israelitas, alguns seriam considerados como "tendo justiça" diante do tribunal imaginário da justiça de Deus, e assim possuiriam a retidão (heb. sedeq), ao passo que outros seriam condenados e classificados com os perversos. Não havia nenhuma regra prática fácil para guiar o homem em fazer esta avaliação, e não podia, portanto, haver qualquer coisa que se aproximasse de uma doutrina cristã da segurança. Ser atrevido para com a aliança era conhecidamente o primeiro passo no caminho para a condenação. Reduzida a uma base mínima, a qualificação para a justiça era a observância dos Dez Mandamentos, as estipulações da aliança. Na prática, porém, estes eram bem pouco observados, e as exigên­cias cultuais da lei mosaica recebiam, proporcionalmente, muito mais consideração; de modo que cada um dos profetas tinha de reiterar as exi­gências morais e espirituais da aliança para o benefício de uma geração mal ensinada. Destarte, as exigências constantes da justiça de Deus eram expostas: "Lavai-vos, purificai-vos, tirai a maldade de vossos atos de diante dos meus olhos: cessai de fazer o mal. Aprendei a fazer o bem; atendei à justiça, repreendei ao opressor; defendei o direito do órfão, pleiteai a cau­sa das viúvas" (Is 1: 16-17). Ou, ainda: "Buscai o bem e não o mal . . . Aborrecei o mal e amai o bem, e estabelecei na porta o juízo: talvez o SENHOR, o Deus dos Exércitos, se compadeça do restante de José" (Am 5: 14-15). Ou, ainda: "Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o SENHOR pede de ti, senão que pratiques a justiça e ames a mise­ricórdia, e andes humildemente com o teu Deus?" (Mq 6: 8). Este não era nenhum ensino novo, pelo contrário, era uma chamada de retorno às exi­gências de Javé, o Deus de Israel, conforme a antiga aliança, que teve sua origem nos dias de Moisés e do monte Sinai. Era uma exigência de ações justas que refletiriam um coração (i.é, a totalidade da personalidade, abran­gendo a mente, a vontade, as emoções e as atitudes) humilde diante de Deus e um estado de paz (heb. sàlôm) com Ele. Tendo em vista este fa­to, fica claro que não se pensava na justiça como uma característica in­delével: podia ser por demais facilmente perdida, e então, os atos justos prévios do homem não valeriam nada.

O aviso que dizia que o perverso morreria tinha uma referência puramente temporal. Dentro dos limites de nossa compreensão, Ezequiel provavelmente não tinha um conceito claro sobre a ressurreição, e muito menos da vida eterna; e a ameaça inerente nesta palavra de advertência era que o perverso teria uma morte precoce ou violenta. A morte que vinha no fim de uma vida longa não era adversidade alguma, especialmente se o homem tinha filhos e netos para continuar seu nome após ele. Mas uma vida curta e um fim precoce eram castigos mesmo. Se isto acontecesse co­mo resultado da falta de profeta quanto a cumprir seu dever de advertir o perverso a se converter dos seus caminhos, Deus disse: O seu sangue da tua mão o requererei (18, 20). Esta alusão ao princípio expressado em Gê­nesis 9:5-6 subentende que, assim como o sangue de um homem assassina­do exigia a retribuição por meio do parente próximo vingar-se do assassino, assim também um homem que morria sem ser avisado em tempo seria con­siderado virtualmente a vítima de um assassinato cometido pelo atalaia que fracassara no seu dever. A questão é colocada metaforicamente, é cla­ro, mas nem por isso deixa de enfatizar a responsabilidade esmagadora con­fiada a Ezequiel. A responsabilidade do cristão no sentido de avisar uma geração perdida não é, por certo, menos aterrorizadora.

A palavra tropeço (20; heb. miksôl), como seu equivalente no grego do Novo Testamento, skandalon, significa uma "ocasião para tropeçar," ou literalmente, ou num sentido ético. Não indica aqui que Deus deliberadamente Se propõe a derrubar o justo e fazê-lo estatelar-se no chão, mas, sim, que deixa oportunidades para o pecado nos caminhos dos homens, de maneira que, se seu coração está decidido no sentido de praticar o pecado, poderão fazê-lo, e assim merecer a sua condenação. Não há nenhum sentido em que o tropeço é inevitável: sempre envolve a escolha moral, e havia, também, a palavra de advertência da parte do atalaia pa­ra indicar onde estavam os tropeços e o que eram.

22-27. Mais uma vez sob o efeito do êxtase, Ezequiel sai para o vale. A palavra significa literalmente uma "fenda," e, portanto, uma área entre montanhas: alguns a traduziriam uma "planície no vale." É muito possível que se refira a uma localidade específica que Ezequiel frequentava nos seus períodos de solidão, e era, sem dúvida, o lugar onde haveria de ter sua visão do vale (a mesma palavra) dos ossos secos (cf. 37: 1).

A frase a glória do SENHOR estava ali (23) resume, não somente uma parte, mas, sim, toda a visão que o profeta vira no capítulo 1. A lembrança que permanecia não era dos equipamentos do carro-trono celestial, mas, sim, dAquele que estava assentado sobre ele. Ezequiel também indi­ca que esta era uma localidade diferente daquela da sua visão original jun­to ao rio Quebar.

Não fica claro se esta visão adicional da glória do Senhor aconteceu quase imediatamente depois da sua comissão para ser atalaia, ou se, entre os vv. 21 e 22, houve um período em que Ezequiel profetizou de acordo com os termos que lhe foram dados. Se assim fizera, isto explicaria a apa­rente inversão da sua comissão que os versículos seguintes contêm. Falara a palavra de advertência da parte de Deus; não lhe prestaram atenção; por­tanto, agora foi ordenado a ficar confinado à sua casa, e silencioso. A dificuldade é que a cronologia destes primeiros capítulos quase não deixa tempo algum para isto. A diferença entre as datas de 1: 1 e 8: 1 é de so­mente um ano e dois meses, e se esse período deve incluir os 390 dias de ficar deitado sobre o lado esquerdo para o castigo de Israel (4: 5), so­bra pouquíssimo tempo para qualquer coisa senão um ministério brevís­simo como atalaia. Parece, portanto, preferível considerar 3:22-27 como o episódio final num período prolongado de comissionamento que durou vários dias, durante o qual aconteceram estas várias experiências culminan­tes, nas quais Deus falou para Ezequiel, e o curso e o padrão do seu minis­tério foram paulatinamente revelados. Seria improvável que um profeta, numa só teofania, obtivesse a compreensão, não só da sua chamada, como lambem da sua mensagem e da terrível responsabilidade da sua tarefa, e da maneira em que deveria cumpri-la. Para Ezequiel, tudo isto veio por eta­pas, e somente quando foi alcançada a última etapa é que foi conclamado a fazer seu primeiro pronunciamento público no drama simbólico das obras de cerco contra Jerusalém (4:1).

Aqueles que defendem um ministério abortivo entre estas duas se­ções argumentariam que a frase eis que porão cordas sobre ti (25) refere-se ou a restrições físicas impostas sobre Ezequiel por seus oponentes, ou, metaforicamente, ao silenciar dos seus oráculos por formas de oposição menos violentas mas igualmente eficazes. O mesmo tipo de interpretação não pode, no entanto, ser atribuído à profecia de sua mudez, e, portanto, é melhor pensar numa restrição auto imposta do que numa causada pela oposição aos oráculos anteriores. A RSV interpreta desta maneira ao to­mar o verbo "porão" como um plural impessoal, que denota voz passiva: "cordas serão postas sobre ti, e serás ligado com elas." É importante perce­ber que tanto o ligar com cordas quando a mudez "não eram para evitar o exercício da sua vocação, mas, pelo contrário, torná-lo apto para a reali­zação bem-sucedida da obra que recebeu (Keil). As limitações impostas sobre ele eram parte integrante da sua mensagem: eram uma demonstra­ção ritual ao povo de Israel que eram casa rebelde (26,27).

Farei que a tua língua se pegue ao teu paladar, ficarás mudo, e inca­paz de os repreender (26). O silêncio não deveria ser total: de vez em quando, Deus falaria com o profeta, e permitiria que passasse adiante uma men­sagem para seu povo. Esta mudez, portanto, não foi do mesmo tipo que aconteceu a Zacarias, pai de João Batista (Lc 1:20). Duraria um tempo limitado, até que a queda de Jerusalém fosse anunciada para os exilados cerca de seis anos mais tarde. Então chegaria ao fim (33:22). Outras re­ferências ao fato ocorrem em 24:27 e 29:21, mas em nenhum outro lu­gar. Neste Ínterim, Ezequiel teve chance de fazer muitos pronunciamen­tos, alguns em conjunção com suas mensagens silenciosas, encenadas, e outros como simples oráculos diretos. Em certa ocasião (20: 3) recusou-se a responder a alguns anciãos que vieram a ele "para consultar o SENHOR," mas não o fez sem dar uma explicação completa das razões para não sa­tisfazer a curiosidade deles. Noutras ocasiões em que os anciãos vieram pa­ra ele a fim de procurar seus conselhos, não há qualquer sugestão que não esperassem que ele lhes pudesse responder de maneira perfeitamente nor­mal (cf. 8:1; 14: 1). Já notamos várias sugestões no sentido de Ezequiel sofrer de catalepsia ou dalgum distúrbio nervoso grave, é já vimos que ne­nhuma explicação deste tipo, que introduz a disfunção orgânica ou psico­lógica, soluciona de modo satisfatório os problemas levantados por uma aceitação literal destas palavras. É muito mais satisfatório e realista enten­der que esta é uma mudez ritual, ou seja: uma recusa divinamente ordena­da de fazer pronunciamentos públicos, a não ser sob o impulso direto da palavra de Deus. Daquele momento em diante, Ezequiel seria conhecido unicamente como o porta-voz de Javé. Quando falava, era porque Deus tinha algo para dizer; quando ficava silencioso, era porque Deus estava si­lencioso.

As duas palavras hebraicas: hassõmêa' yismà', lit. "que o ouvinte ou­ça," ou "o que ouve ouvirá" (27), são o protótipo para a fórmula predileta do nosso Senhor: "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça." A mensagem falada visa confirmar os homens na sua atitude para com o Deus que a inspi­rou: ou a escutarão e obedecerão, ou a desconsiderarão e serão condena­dos. A resposta do ouvinte é ditada pelo íntimo do seu ser.

 

Bibliografia J. B. Taylor

Fonte:EBD AREIA BRANCA

 

O atalaia silencioso