sábado, 14 de novembro de 2009
FILOSOFIA DA RELIGIÃO
INTRODUÇÃO
Filosofia é o conjunto de concepções, práticas ou teóricas, acerca do ser, dos seres, do homem e do seu papel no universo; conjunto de toda ciência, conhecimento ou saber racional. Filosofia é a história das idéias, é o saber a respeito das coisas.
Etimologicamente, o termo provém do grego philein (amar) e Sophia (sabedoria), podendo, portanto, ser definida como amor da ciência, do saber, do conhecimento.
O objetivo da filosofia da religião é investigar por processos estritamente racionais as crenças religiosas fundamentais, com o fim de determinar o seu significado e de saber se estão justificadas.
A busca da natureza e dos fundamentos da fé religiosa, que faz parte da pesquisa filosófica, é uma das mais antigas e perseverantes áreas do esforço filosófico. A crença e as práticas religiosas provocam várias questões filosóficas e demandam indagações a respeito dos estudos das ciências que têm por objeto apreciar o seu valor para o espírito humano, relacionando-as à justificação da fé religiosa e perguntas sobre o conhecimento das causas primárias e dos princípios elementares da natureza de Deus e da alma, e perguntas éticas acerca do relacionamento entre Deus e os valores morais. No terreno da religião, tantas são as preocupações filosóficas que se cruzam, e tão fundamental é o interesse por elas, que a filosofia da religião é para os filósofos cristãos ou não, um dos principais setores do esforço filosófico. A crença em Deus, a imortalidade da alma, a natureza do milagre e o problema do mal se constituem nos problemas clássicos da filosofia da religião.
Na defesa da existência e conhecimento de Deus, os filósofos da religião buscam outro caminho como argumento comprobatório das suas teses, que é a experiência religiosa.
Embora sejam várias as crenças que interessam à filosofia da religião, a crença mais importante é a crença na existência de Deus.
I – DEFINIÇÃO DE RELIGIÃO
A palavra portuguesa religião etimologicamente é originária do termo latino religio, que significa fidelidade ao dever, lealdade, consciência do dever, escrúpulo religioso, obrigação religiosa, culto religioso, práticas religiosas. A quantidade das definições e o caráter normalmente contraditório que encontramos nas discussões modernas da religião sugerem a falta de unanimidade entre os estudiosos do tema, para formularem uma definição universalmente aceita. A etimologia do termo não ajuda, não somente por ser incerta, como também porque os verbos latinos religare, relegere ou religere, derivados de religio, são divergentes quanto ao significado de religião.
O fenômeno religioso é originário e irredutível no homem, e se leva, por sua natureza, a um termo supremo chamado Deus. Religião é o reconhecimento prático da dependência do homem para com Deus.
II - A RELIGIÃO DOS FILÓSOFOS GREGOS
O fato de os gregos não terem um sacerdócio hierárquico, fez com que o pensamento especulativo se desenvolvesse alheio ao culto dos deuses. Enquanto os poetas se encarregavam de divulgar os mitos religiosos (Hesíodo e Homero), dando expansão à sua inspiração criadora, homens mais sóbrios procuravam uma compreensão total da existência do cosmo, incluindo deuses e homens.
A filosofia nasceu não na Grécia propriamente dita, mas nas colônias gregas do Oriente e do Ocidente, a saber, na Jônia e na Magnagrécia. Cerca de 624 a.C., em Mileto, nasceu Tales, o pai da filosofia grega e de toda a filosofia ocidental.
* Tales de Mileto ( 546 aC.)
Tales é mais que um filosofo foi um homem que investigou todos os campos do saber humano. Foi astrônomo e chegou a prever um eclipse que ocorreu no ano 585 a.C. também foi um dos primeiros a afirmar que a Terra era redonda e que a lua não tinha luz própria.
No campo propriamente filosófico, Tales defendia que o elemento primeiro de que todas as coisas se compunham era a água.
Os primeiros problemas que preocuparam os filósofos da Escola de Mileto estavam relacionados com a origem dos seres e do universo.
Os filósofos de Mileto, ansiosos por encontrar a arqué (começo, princípio) dos seres, iniciaram as suas investigações observando que todas as coisas existentes na natureza derivavam de outras coisas e que estas, por sua vez, não existiam por si mesmas, mas também dependiam de outras e assim por diante.
* Anaximandro de Mileto ( 547 a.C.)
Anaximandro foi discípulo de Tales. Defendia que a arqué (começo, principio) dos seres era um elemento neutro, que não deveria ser úmido, nem seco, nem quente, nem frio, nem liquido e nem sólido.
Anaximandro afirmava que a origem de todas as coisa era uma substancia infinita e ao mesmo tempo indeterminada. Este elemento ele chamou de apeíron, que em grego significa infinito.
* Xenofonte (485 a.C.)
É o primeiro teólogo, no sentido de que se preocupou diretamente com a natureza de Deus. Insurgindo-se contra o antropomorfismo grego, propõe uma concepção divina espiritualizada: Deus seria um ser que mediante o seu pensamento, sem esforço, executaria tudo, ser imóvel e que tudo move, que vê tudo e a tudo atende.
* Heráclito ( 448 a.C.)
Deus é o Logos, isto é, a razão substantiva do universo, que dá existência a tudo e a tudo transforma.
O pensamento de Heráclito traz, no seu eixo principal, a idéia do devir, ou seja, a eterna mudança.
* Parmênides (470 a.C.)
Em oposição a Heráclito, filósofo da ação, defende a imobilidade divina: Deus é o que é: a verdade imutável.
Dizia ele, se o ser, é, como poderá mudar, ou melhor, vir a ser? Se algo vem a ser é porque não é. Parmênides dizia que Heráclito defendia o absurdo, ou seja, que o ser não é.
Em decorrência do seu princípio ( o ser é e o não-ser não é), Parmênides afirmava que o ser é eterno. Portanto, o ser não pode vir do não-ser.
* Anaxágoras ( 418 a.C.)
Anaxágoras afirmava a existência de um espírito superior, cuja função, entre outras, era ordenar a matéria, pois esta vivia em plena confusão.
* Sócrates (399 a.C. )
É um reformador moral e religioso. Sem assumir a retórica de um profeta, mas permanecendo um pensador frio e objetivo, ele prega uma moral elevada, e ensina um respeito tão profundo a Deus (“Obedecerei antes a Deus do que a vós”, declara a seus juizes), que vale por uma verdadeira espiritualidade, fervorosamente seguida por seus discípulos. Ainda que não combata o politeísmo como tal, revela-se em seu pensamento um convicto teísta, chegando a ensinar a providencia Divina e a imortalidade da alma.
* Platão ( 347 a.C.)
É um homem religioso, que longe de repudiar as crenças de seu tempo, procura expurgá-las de erros e inconveniências, para que sejam dignas de seu altíssimo conceito de Deus. Por isso, reprova os mitos degradantes, que expõem as paixões dos deuses.
É próprio de Platão o conceito de Deus como Supremo Bem, no qual se funda o procedimento moral da humanidade. A fim de defender este conceito, empenha-se em provar a existência de um Deus pessoal e em precisar a sua essência.
A Platão devemos também o dualismo corpo-alma, em que a alma aparece como prisioneira do corpo, porém ela é imaterial e imortal.
* Aristóteles ( 384 a.C.)
Existe um Motor imóvel. Esta é a célebre prova aristotélica da existência de Deus pela existência do movimento (mudança). Sendo imóvel, Deus é ato puro, único, perfeito, eterno, inteligente, etc.
Segundo Aristóteles, Deus move o mundo somente como objeto conhecido e desejado, não como causa agente. De fato, Deus move o mundo sem ser movido. No universo aristotélico Deus é quem mantém de pé todo o edifício.
O pensamento religioso de Aristóteles não segundo os parâmetros da revelação bíblica, mas segundo os parâmetros da historia das religiões e da filosofia, devemos dizer que, não obstante algumas graves lacunas, a concepção aristotélica de Deus representa a mais alta conquista do pensamento religioso grego: superando as grosserias da mitologia e da religião pública, que tinham humanizado os deuses ao ponto de os reduzirem a simples homens, Aristóteles liberta a face de Deus de todo antropomorfismo e lhe confere uma expressão sublime.
III – DEFINIÇÃO, CRENÇA E EXISTÊNCIA DE DEUS
1. A definição de Deus
O problema da definição ou da natureza de Deus é um problema complexo e difícil. Por esse motivo, a nossa abordagem será forçosamente breve. Contudo, podemos dizer que envolve duas questões principais. Uma a da definição propriamente dita, isto é, a questão de saber que propriedades devem ser atribuídas a Deus; e outra a de saber se essas propriedades podem ser descritas de modo a serem combinadas numa definição coerente de Deus.
A primeira questão deu origem a duas doutrinas filosoficamente mais relevantes, o teísmo e o deísmo, que embora tenham elementos em comum diferem em certos aspectos de forma importante. O teísmo é a concepção da natureza de Deus segundo a qual Deus é um ser pessoal, espiritual, imutável, onipresente, criador do universo, transcendente (que está fora do espaço e do tempo), onipotente (que pode tudo), onisciente (que sabe tudo), sumamente bom e necessário. Os teístas admitem a revelação, por intermédio, por exemplo, de um livro sagrado como a Bíblia ou o Corão, ou de milagres e profecias, e pensam que Deus intervém no mundo, assegurando a sua existência contínua. Os deístas, pelo contrário, recusa-se a aceitar qualquer forma de revelação como fonte de conhecimento de Deus. Para eles, os únicos conhecimentos legítimos da natureza de Deus são os que derivam de processos racionais de investigação. O deísmo, tal como o teísmo, afirma que existe um Deus pessoal e transcendente, que criou o mundo e que estabeleceu as leis que o regem, mas, ao contrário do teísmo, nega que Deus intervenha no curso dos acontecimentos do mundo seja de que maneira for e que responda às preces e necessidades humanas.
Estas não são, no entanto, as únicas concepções sobre a natureza de Deus. Outras formas de conceber a sua natureza são, por exemplo, o panteísmo, que identifica Deus com o universo físico, e o panenteísmo, a crença de que Deus está dentro de tudo e não apenas do universo físico. Além destas perspectivas sobre Deus, que diferem apenas na forma como concebem Deus, há também aquelas que, como o ateísmo, nega a existência de Deus, ou, como o agnosticismo, afirma ser impossível saber se Deus existe.
De todas estas concepções, o teísmo é de longe a perspectiva mais comum, visto que subjaz às três grandes religiões monoteístas do mundo, o Cristianismo, o Islamismo e o Judaísmo.
2. A existência de Deus
Sabemos agora como os crentes costumam definir Deus. Mas isso por si só não é uma garantia de que Deus exista. Para provar a existência de Deus, os filósofos e os teólogos formularam ao longo dos tempos um número considerável de argumentos. São alguns desses argumentos que vamos estudar em seguida.
2.1 O argumento ontológico
A primeira prova da existência de Deus que vamos estudar é o argumento ontológico. Desde que foi apresentado pela primeira vez por Santo Anselmo (1033-1109), no século XI, este argumento tem deixado muitos filósofos perplexos. O argumento parece tudo menos convincente, mas não é fácil saber onde está o seu defeito.
Santo Anselmo apresentou o argumento pela primeira vez, ele começou por definir Deus como «alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar. É importante perceber bem o significado da palavra «maior» nesta definição. Anselmo não está a dizer que Deus é a coisa maior que existe. «Maior» não tem aqui o significado comum de «maior em tamanho», mas de maior em valor ou maior em perfeição. Assim, ao dizer que Deus é «alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar», para Santo Anselmo o argumento ontológico completo é, em esquema, o seguinte:
Primeira premissa (definição de Deus): Deus é «alguma coisa maior do que a qual nada se pode pensar».
Segunda premissa: Mesmo aqueles que negam a existência de Deus têm Deus na sua mente.
Terceira premissa: Aquilo que existe na mente e na realidade é maior do que aquilo que existe apenas na mente.
Quarta premissa (primeira premissa da redução ao absurdo): Se «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» existir apenas na mente, segue-se que «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» é aquilo mesmo maior do que o qual alguma coisa se pode pensar.
Quinta premissa (segunda premissa da redução ao absurdo): É auto-contraditório que «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» seja aquilo maior do que o qual alguma coisa se pode pensar.
Conclusão (da redução ao absurdo): Portanto, «aquilo maior do que o qual nada se pode pensar» existe tanto na mente como na realidade.
Conclusão: Portanto, Deus existe necessariamente.
2.2 O argumento cosmológico
O argumento cosmológico, ao contrário do argumento ontológico, é um argumento a posteriori. Isto significa que procura provar a existência de Deus a partir das nossas observações do mundo e não, como o argumento ontológico, a partir da mera análise lógica da definição de Deus.
O argumento cosmológico é muito antigo. Entre os seus defensores encontram-se Platão, Aristóteles, Descartes, Locke, e muitos teólogos atuais, mas a versão mais famosa do argumento é a que São Tomás de Aquino (1221-1274), apresenta nas suas 'Cinco Vias' para provar a existência de Deus. O argumento cosmológico, mais do que um argumento específico, é um tipo de argumento e, por isso, as três primeiras vias de São Tomás constituem outras tantas formas do argumento cosmológico. A 'Primeira Via' baseia-se na noção de movimento; a segunda na de causa; e a terceira, na de contingência. Das três, a versão mais comum e intuitiva é a segunda. Por esse motivo, é essa que vamos estudar.
O argumento da causa (ou da causa primeira, como às vezes também é designado) pode ser enunciado da seguinte forma:
Tudo o que acontece tem uma causa ou agente ativo e esta causa ou agente também tem uma causa. Contudo, não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas. Porque se não houvesse uma causa primeira, não existiriam causas subseqüentes e, portanto, também não existiriam nenhuns dos efeitos atualmente existentes. Assim, as cadeias de causas e efeitos causados implicam uma causa primeira ou uma causa que não seja causada por nada, isto é, Deus.
Este argumento é muito simples e elegante e, por isso, muito persuasivo. Contudo, é conveniente que olhemos para ele com um pouco mais de atenção. A sua primeira premissa é a seguinte:
Tudo o que acontece tem uma causa ou agente ativo e esta causa ou agente também tem uma causa.
Esta premissa limita-se a afirmar algo que é do conhecimento comum e que a observação nos revela no dia-a-dia vezes sem conta: tudo o que acontece tem uma causa. Isto é tão evidente que não levanta qualquer dificuldade. O mesmo não se pode dizer da segunda premissa:
Não pode haver uma regressão infinita nas cadeias de causas.
Esta premissa, ao contrário da primeira, faz uma afirmação para a qual não pode ser apresentada qualquer evidência empírica conclusiva. Conhecemos muitas cadeias causais completas e nesses casos não temos quaisquer dúvidas de que tiveram começo. Mas, há muitas cadeias das quais só conhecemos um pequeno fragmento ― aquele constituído pelas causas e efeitos que pudemos observar ―, e nestes casos é impossível ter a certeza, com base apenas na experiência, que a cadeia teve um começo. Por este motivo, a experiência é insuficiente para estabelecer a segunda premissa e São Tomás tem de recorrer a um argumento. Este argumento é uma redução ao absurdo com a seguinte forma:
Primeira premissa: Se não houvesse uma causa primeira (isto é, se houvesse uma regressão infinita nas causas), não existiriam causas subseqüentes nem, por conseqüência, os efeitos que atualmente existem.
Segunda premissa (premissa subentendida): Existiram as causas subseqüentes e os efeitos atuais existem.
Conclusão: Portanto, não pode haver uma regressão infinita de causas.
Estabelecida, desta forma, a segunda premissa, a conclusão segue-se naturalmente dela e da primeira. Assim, o argumento completo é o seguinte:
Primeira premissa: Tudo o que acontece tem uma causa ou agente ativo e esta causa ou agente também tem uma causa.
Segunda premissa (primeira premissa da redução ao absurdo): Se não houvesse uma causa primeira (isto é, se houvesse uma regressão infinita nas causas), não existiriam causas subseqüentes nem, portanto, os efeitos atualmente existentes.
Terceira premissa (segunda premissa da redução ao absurdo — premissa subentendida): Existiram as causas subseqüentes e os efeitos atuais existem.
Conclusão (da redução ao absurdo): Não pode haver uma regressão infinita de causas.
Conclusão: Portanto, tem de existir uma 'causa primeira', isto é, Deus.
2.3 O argumento moral
O argumento moral, como o argumento cosmológico e o argumento teleológico, é um argumento a posteriori, o que significa que tal como esse argumento visa provar a existência de Deus a partir da experiência. Mas, enquanto o argumento cosmológico parte da experiência de relações causais e o argumento teleológico da experiência da ordem e do propósito do mundo, o argumento moral parte da experiência da necessidade de tomar decisões de natureza moral. Esta necessidade pressupõe a existência de valores morais objetivos e estes, no dizer dos defensores do argumento moral, a existência de Deus.
Na sua forma mais simples, o argumento moral é o seguinte:
Primeira premissa: Se há valores morais objetivos, então Deus existe.
Segunda premissa: Há valores morais objetivos.
Conclusão: Portanto, Deus existe.
Estas idéias remontam aos primórdios do Cristianismo e, por este motivo, o argumento moral insere-se numa tradição muito antiga. Aparece na obra de filósofos e teólogos medievais como Duns Scoto (c. 1266-1308) e Guilherme de Ockham (c. 1285-1347), e, mais tarde, na de teólogos como Lutero (1483-1546) e Calvino (1509-1564) e de filósofos como Descartes (1596-1650), Locke (1632-1704), Berkeley (1685-1753) e Kant (1724-1804). No nosso tempo, o argumento moral também teve vários defensores, o mais importante dos quais foi C. S. Lewis (1898-1963).
Se o argumento moral tem tido muitos defensores ao longo da história, também tem tido muitos críticos, mesmo dentro da tradição cristã. Um dos primeiros foi São Tomás de Aquino, que defendeu a existência de leis morais objetivas quer Deus exista quer não. Outros críticos são
Leibniz (1646-1716), Hobbes (1588-1679).
Kant: a crença em Deus está implícita em toda a ação moral
Apesar destas origens antigas, de longe a versão mais famosa do argumento moral é a de Immanuel Kant (1724-1804). É essa versão que vamos agora estudar.
A melhor forma de percebermos o argumento moral de Kant é partindo da seguinte questão: o que nos diz acerca das nossas crenças o fato de termos a obrigação de agir segundo a lei moral?
Kant afirma que esse fato mostra que postulamos ou pressupomos três coisas: que temos livre-arbítrio, que a nossa alma é imortal e que Deus existe.
Quando agimos moralmente pressupomos que somos livres. Com efeito, a não ser assim, que sentido teria dizer que temos o dever de fazer algo? Para Kant, o fato de termos o dever de agir segundo a lei moral implica que podemos agir segundo essa lei e, portanto, que temos livre-arbítrio.
Em seguida, pressupomos que a alma é imortal. Os seres humanos aspiram ao soberano bem, no qual a virtude é recompensada com a felicidade. Como isso não é, pelo menos para a maior parte das pessoas, possível nesta vida, quando alguém age moralmente é porque tem o sentimento de que é possível alcançar o soberano bem, mesmo que isso não seja possível nesta vida. Pense-se, por exemplo, no caso de uma pessoa que aja por sentido do dever e que arrisque a sua vida para salvar outra pessoa. O seu comportamento sugere que ela de algum modo acredita na imortalidade, não porque ao agir assim procure conscientemente uma recompensa após a morte (isso faria o dever depender dos resultados e seria completamente contrário ao espírito da ética de Kant), mas porque revela ter o sentimento de que a verdadeira vida, o soberano bem, não é alcançado nesta vida terrena, mas numa vida que se lhe segue.
Por fim, postulamos também que Deus existe. Nem sempre é possível alcançar a união da virtude e da felicidade nesta vida. Portanto, se uma pessoa tem o sentimento de que deve fazer algo, mesmo que não tenha a garantia de dessa forma alcançar a felicidade, isso, uma vez mais, sugere que essa pessoa acredita em que existe um Deus que ordenou o mundo de modo a tornar o soberano bem possível e em que a verdadeira felicidade está em ser virtuoso e em agir por sentido do dever.
Em resumo, Kant afirma que não podemos provar a existência de Deus, mas que ao agirmos moralmente, sem nos preocuparmos com a nossa felicidade imediata, mostramos que acreditamos num Deus que confere sentido à nossa moralidade. Por outras palavras, não começamos a fazer escolhas morais apenas depois de chegarmos à conclusão de que somos livres, de que somos imortais e de que existe um Deus que torna possível que a virtude resulte na felicidade. Em vez disso, estas coisas são implicadas pelo próprio ato de agir por dever. Agir por dever não faz sentido a menos que acreditemos nelas.
IV – DESCARTES: A Razão e a Fé
A certeza matemática, para questões de toda ordem, tornou-se o ideal para os filósofos. Essa busca, teve inicio com René Descartes ( 1596-1650).
As provas cartesianas da existência de Deus são três. A primeira tem como ponto de partida a idéia de Deus (aspecto existencial) e conclui que a realidade objetiva da idéia de Deus exige como causa a realidade formal que pensa, isto é, Deus. A segunda demonstração parte do eu pensante que tem a idéia de Deus e conclui que o ser que tem a idéia de Deus e não é Deus, tem que ser causado por Deus. A terceira prova parte da idéia de Deus (aspecto essencial) e conclui que o ser infinitamente perfeito contém em si a existência que é uma perfeição. Segundo Descartes, a idéia de Deus é clara e distinta, melhor ainda, é a mais clara e mais distinta de todas as idéias.
O caminho cartesiano vai do cogito (pensar) a Deus, a verdade objetiva. Pelo fato de eu duvidar, sou imperfeito e limitado, porque conhecer é perfeição maior do que duvidar, segundo Descartes. Desta maneira não posso ser a causa de minha própria imperfeição de ser, pois se eu mesmo fosse a causa, eu me daria todas as perfeições contidas na idéia de Deus, que está em mim. Portanto, a causa de minha imperfeição é um ser perfeito, Deus. Assim Descartes conclui a prova da existência de Deus do cogito, no qual o homem tem a idéia de Deus. Este ser, que é a causa de si mesmo, é perfeito. O eu do ser imperfeito remete a uma causa perfeita.
As provas da existência de Deus, segundo Descartes, baseiam-se na idéia inata, ou ainda partem da existência do eu pensante (penso logo existo). Como a existência de Deus marca a passagem da evidência do cogito para a verdade objetiva, a partir da prova da existência de Deus prova-se a existência do mundo. Deus é a fonte criadora e o fundamento de toda a verdade.
Se Deus fosse espírito enganador, não poderia ser perfeito, diz Descartes. Engano é sinal de imperfeição. A idéia inata de Deus não deriva, pois do mundo sensível. Chega-se à certeza do mundo a partir da certeza de Deus.
A partir da certeza de si mesmo, Descartes tenta fundar a fé como fundamento filosófico da religião cristã.
V – KANTE: A Razão e a Religião
Immanuel Kant (1724-1804), na obra A religião dentro dos limites da razão (1793) trata de quatro aspectos: na primeira parte trata do mal radical (pecado de origem); na segunda, vida e obra de Cristo, sem nunca mencionar o nome de Jesus Cristo; na terceira, da Igreja invisível; na quarta, da Igreja como instituição. Está clara a tendência a dissolver a religião na moralidade, tentativa que culmina em idéias como “Deus não é um ser fora de mim... Deus é a razão moral prática”. A religião identifica-se com a consciência, sem necessidade do conceito de Deus.
Kant que interpretar a religião da razão pura e a partir dela a religião revelada. Ambas são como dois círculos concêntricos, sendo o interior e mais restrito o da religião da razão. Tenta reduzir a religião revelada a seus conceitos morais para conciliá-la com a da razão, para conciliar razão e Escritura, de maneira que, seguindo a primeira, se vá de encontro à revelada.
Tudo o que Deus exige dos homens é conduta moralmente boa. Como os homens são impotentes para conhecer as coisas não sensíveis, tendem a considerar a religião como culto, serviço a Deus, baseado em prescrições externas e leis. Organizam a Igreja visível que só se pode fundar numa revelação transmitida pela tradição e escritura.
Kant assume atitude negativa em relação à oração como culto formal e interior de Deus. É a simples declaração de nossos desejos a alguém que não precisa dela. Julga, todavia, conveniente alguma freqüência às igrejas para estreitar a comunhão com os fiéis.
A perspectiva puramente moral da religião está na conhecida definição: “religião é o conhecimento de todos os nossos deveres como mandamentos”.
Assim mesmo Kant, já com 74 anos de idade, na polêmica entre filosofia e teologia, escreve: “É bom que não sabemos, mas cremos que existe um Deus”.
VI – FILÓSOFOS ATEUS
Quando se estuda história vemos grandes pensadores que eram ateístas e até hoje influenciam o meio acadêmico. Vejamos alguns de forma resumida:
*George W. F. Hegel (1770-1831)
. Hegel foi o homem cujos escritos se tornaram uma inspiração para o movimento ateísta contemporâneo. Dizia que Deus dependia do mundo assim como o mundo depende de Deus. Ele afirmou que, sem o mundo Deus não é Deus e Deus é insuficiente.
* Augusto Comte ( 1791-1857)
Comte parte da idéia de que a humanidade é o GRANDE SER, constituído por antepassado como Moisés, Buda, Confúcio, Maomé que são venerados em ritos sociais. A religião é parte da preocupação do autor no sentido, de querer a reforma moral e intelectual da humanidade, objetivando a reorganização de toda a sociedade. E por isso, o objetivo da religião é ordenar cada natureza individual religando com todas as individualidades. Tem por modelo, o catolicismo romano, na teoria sacramental, com a apresentação, iniciação, admissão, destinação, maturidade, retiro, incorporação e especialmente um culto a Virgem Maria.
O centro religioso positivista é o GRANDE SER ou seja, o motor imediato de cada existência individual ou coletiva, que inspira a fórmula máxima do positivismo: "O amor por princípio, a ordem por base o progresso por fim". Que se desdobra, numa moral: o viver para outrem, ou subordinação do indivíduo à família, esta à pátria e, a pátria à humanidade; ordem e progresso, onde cada coisa deve estar em seu devido lugar para perfeita orientação ética da vida social.
A humanidade - o GRANDE SER - é muito mais do que uma simples abstração, de forma vazia e inerte, é uma realidade, pois representa a comunhão de todos os homens em uma contínua solidariedade no tempo e no espaço. A humanidade é o único Deus que merece o nosso culto
O Positivismo compreende três partes que se complementam e se entrelaçam, no culto - Na Doutrina da Humanidade, é substituída a crença na existência objetiva de todos os seres e fenômenos sobrenaturais, pela adoração e o entendimento da Trindade: Humanidade, Terra e Espaço, nossos três Seres Supremos.
*Ludwig Feuerbach (1804-1872);
Feuerbach negou todo o sobrenaturalismo e atribuiu toda discussão acerca de Deus à discussão da natureza. Para ele o homem não depende de Deus, mas da natureza. Divulgou também que, a idéia de Deus surgiu como conseqüência do desejo humano de ter alguma espécie de ser sobrenatural como explicação da existência do próprio homem. Feuerbach critica a religião por não dar a devida importância à vida presente pondo toda a esperança de libertação no céu. Por isso o homem religioso, segundo ele, não se compromete com a mudança e transformação, com a injustiça, o sofrimento e a miséria deste mundo. Ele argumenta que o ateísmo é necessário para que as classes oprimidas possam lutar por sua libertação, pois só o homem pobre tem um Deus rico. Feuerbach destrona Deus e diviniza o homem. Segundo ele, os amigos de Deus devem tornar-se amigos do homem neste mundo. Deus é apenas a personificação da espécie humana. A Bíblia deve ser corrigida, pois não é Deus que criou o homem, mas o homem criou Deus à sua imagem e semelhança.
* Karl Max (1818-1883)
Sem dúvida, um dos mitos contemporâneos mais debatidos está ligado ao nome de Karl Max. Com este nome designa-se um movimento de idéias não só filosóficas, econômicas, mas também políticas e sociais. Em nosso estudo ocupar-nos-emos com o pensamento marxista enquanto crítica da religião, ateísmo e a fundamentação dada ao mesmo por Karl Max.
Para Marx, a religião é uma consciência errônea do mundo. Enquanto protesto contra as situações humanas é protesto ineficiente porque desvia a atenção deste mundo e de sua transformação para outro, para o além. Desta maneira a religião age como calmante: “É ópio do povo”. A religião hipinotiza os homens com falsa superação da miséria e assim destrói sua força de revolta. Atua como força conservadora no campo social e econômico.
Para Marx, a religião é simples invenção de sacerdotes falsários ou de dominadores. É a manifestação da humanidade sofredora em busca de consolo.
Marx conclui que, sendo a religião reflexo espiritual da miséria real do homem numa sociedade opressora, a superação da religião não se dará só pela critica intelectual. A luta contra a religião tem seu aroma espiritual. É a imagem falsa do mundo. Para eliminar a alienação religiosa é preciso eliminar todas as condições de miséria que a originam. Mudando a infra-estrutura econômica, a superestrutura mudará automaticamente.
*Friedrich Nietzsche (1844-1900)
Nietzsche é considerado o pai da escola da morte de Deus, dizia que Deus é invenção da debilidade humana, sua negação será a superação do próprio homem. É preciso Deus morrer para nascer o super-homem. Disse que, uma vez que Deus não existe, o homem deve idealizar o seu próprio modo de vida. Apesar de ser o criador do pensamento da morte de Deus, essa idéia não promove o ateísmo porque não foi isso que Nietzshe quisera dizer com tal pensamento, porém muitos depois dele interpretaram o pensamento da morte de Deus como sendo uma idéia ateísta. Nietzsche acusa o cristianismo como culpado de toda a degeneração e de toda a decadência do mundo moderno. O cristianismo é o centro de espíritos doentes, foi até o presente a maior desgraça da humanidade. Para Nietzsche, a religião é a destruição de tudo quanto há de nobre, de alegre, na vida humana. Por isso é inimiga mortal da humanidade, numa profunda corrupção do homem, pois o transforma em covarde, em fraco e escravo.
Jean-Paul Sartre (1905-1981)
Sartre foi o mais proeminente do existencialismo. Dizia que o homem é o criador do seu próprio destino e só ele pode alcançar a sua realização. Veja nessa poesia de Sartre, a profundidade de sua idéia:
“Não há Ser Absoluto algum. Dedique-se a algo! Rejeite todas as formas que restringem a sua liberdade! Descreva a realidade em sua feiúra, absurda e obscenidade! Você está podado do Transcendente, pois ele não existe”.
Sigmund Freud ( 1856-1939)
Para Freud, a religião surgiu de uma necessidade de defesa contra as forças da natureza, como todas as outras realizações da civilização é uma neurose. No indivíduo, ela surge do desamparo. Esse desamparo é inicialmente o desamparo da criança, e posteriormente, o desamparo do adulto que a continua.
As idéias religiosas são ilusões porque, segundo Freud, seria realmente muito bom se existisse um Deus benevolente, que cuida de nós e que nos dá uma vida após a morte. Um Deus que fará justiça a todas as injustiças que há neste mundo, e que nos recompensará por todas as privações a que somos submetidos por causa da civilização. Na verdade, nós queremos acreditar que isso seja verdade. Essas crenças são ilusões pois derivam de desejos humanos, do nosso desejo de que as coisas realmente sejam assim.
CONCLUSÃO
Deus é a força do futuro, com isso queremos dizer que Ele é a resposta à situação fundamental do homem. Esta resposta não elimina, antes vivifica a criatividade humana. A fé em Deus confere ao ser humano o seu sentido último, como inspirador da ação humana. A esperança no futuro último possibilita projetos dentro da história, libertando-nos da angústia existência e enchendo-nos de coragem. É certo que as objeções feitas pelo ateu, muitas vezes, atingem compreensões errôneas de Deus, da religião e da fé. Deus como sentido ultimo não é tão mesquinho que cerceie a liberdade humana, mas antes promove as possibilidades naturais.
Por outro lado, caberá perguntar ao ateu se tem uma proposta melhor, uma resposta melhor para a busca do sentido do homem e da humanidade. Na discussão entre crença e ateísmo é preciso sair do nível das palavras. A discussão verdadeira é saber qual a atitude, a fé ou a descrença, faz mais justiça à realidade do homem. A fé reencontra seu lugar na experiência do homem, pois o que está em jogo é o próprio homem e sua esperança na história. Enfim, se é difícil crer em Deus, mais difícil é viver sem Ele.
BIBLIOGRAFIA
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