sexta-feira, 5 de março de 2010
II CORÍNTIOS 10-13
É bem evidente, nos conteúdos, que I Coríntios não pode ser a carta "áspera", ou "triste", referida em II Coríntios 2:4. Numa tentativa de se descobrir a terceira carta, foi sugerido e amplamente aceito que esta carta, pelo menos em parte, está preservada em II Coríntios 10-13. Existem várias razões fortes e atrativas dadas para esta hipótese. Estas, bem como as respostas para apoiarem a opinião tradicional, são apre¬sentadas a seguir.
1. Não pode haver negação de uma mudança abrupta de tom, que se inicia com 10:1. Os nove primeiros capítulos têm uma nota alegre, que vem da libertação de um fardo pesado, uma nota que está com¬pletamente ausente dos quatro últimos capítulos. Os primeiros capítulos foram escritos com a alegria da reconciliação em mente. Mas a doxo¬logia de 9:15 é seguida de uma apologia, que toma não alguns poucos versículos, mas quatro capítulos. Sugere-se que Paulo não teria mudado seu tom tão abruptamente sem uma sentença ou parágrafo transicional. Para muitos estudiosos bíblicos, seria psicologicamente impossível um autor cometer tal erro de escrever 10:13 para seguir 1:9. J.H. Kennedy ainda indicou que há uma quebra completa e definida na sintaxe entre 9:15 e 10:1.
É possível, todavia, exagerar-se a diferença de atitudes das duas seções. Mediante uma leitura mais cuidadosa, de 1-9, pode-se encontrar a menção da oposição ao ministério de Paulo. Parece necessário Paulo defender sua autoridade apostólica (1:17,18; 7:2); uma implicação de que havia alguns em oposição ao castigo de um ofensor (2:6); a falta de fidelidade ao evangelho por parte de alguns (2:17; 4:2-5); e parece necessário Paulo outra vez recomendar-se a alguns (5:12,13). Destas referências pode-se ver que nem todos haviam-se reconciliado com Paulo, embora a maioria o tivesse feito. Os proponentes em favor da integridade de II Coríntios indicam que Paulo escreveu 10-13 como uma advertência à maioria ainda não reconciliada. Sugere-se, até mesmo, que talvez Paulo, após ter escrito 1-9, recebeu maiores informações acerca do ressurgi¬mento dos problemas e escreveu 10-13 à luz disso. Contudo, não há nenhuma referência, em nenhuma parte, que tenham vindo a Paulo novas informações sobre Corinto após a chegada de Tito.
2. Ao comparar as referências acerca das visitas de Paulo, menciona¬das em ambas as seções, muitos concluíram que 10-13 é completado em 1-9. Sugere-se que há três pares de versículos para mostrar isto: 10:6 antes de 2:9; 13:2 antes de 1:23; 13:10 antes de 2:3. Pode-se pronta¬mente ver que as referências em 10-13 olham para frente e as de 1-9 olham para trás. Colocando-se 10-13 como uma carta anterior a 1-9, as referências podem referir-se à mesma visita. Portanto, conclui-se, a seção 10-13 deve ter sido escrita em algum momento anterior aos eventos de 1-9, porque as afirmações de 1-9 são completações definidas dos eventos propostos de 10-13.
Existe uma explicação alternativa, todavia. Pelo fato de 1-9 não indicar obediência, da parte de toda a igreja, não há nenhuma razão óbvia por que 10:6 deva preceder 2:9. Como Paulo afirma, em 2:9, que escreveu para saber da obediência deles, é razoável supor-se do contexto de 1-9, que ele ainda não estava satisfeito, porque alguns ainda estavam sendo desobedientes. Ele, portanto, escreve posteriormente, na mesma carta (10:6), que esperava a obediência da parte de todos os Coríntios, incluindo a minoria rebelde. No parágrafo precedente a 1:23, Paulo explica a mudança, em seus planos, após a visita "dolorosa". II Coríntios 1:23 apresenta a razão para a mudança: "para vos poupar que não fui mais a Corinto". À luz da informação contida em 1-9, acerca da minoria ainda desobediente, 13:2 fala da severidade que Paulo iria usar para com aqueles que se recusassem a reconhecer seu ministério, quando chegasse. A visita proposta em 13:2 mostra que Paulo poderia ter que usar seu poder apostólico em relação a alguns, para exigir sua obediência, mas ele esperava que não fosse necessário agir rispidamente para com esta minoria (13:10). Esta é a mesma coisa que ele expressa em 2:3, ao referir-se à escrita da carta "áspera". Por causa do fato de que ambas as passagens se referem a uma visita planejada para o futuro, é razoável supor-se que 2:3 se refere a uma carta perdida, e 13:10, à presente II Coríntios. Embora os argumentos em favor da precedência de 10-13 sejam atrativos, eles não são conclusivos. As referências acima fazem excelente sentido, conforme apresentados na ordem tradicional.
3. As referências deprecantes à auto-recomendação, em 3:5 e 5:12, parecem estar inconsistentes com as da auto-recomendação em 10-13. O uso da palavra "outra vez" (em 3:1 e 5:12) indicam que Paulo está pensando naquilo que havia escrito antes (10:13). Isto é uma evidência maior de que a II Coríntios canônica é uma compilação de pelo menos duas cartas e que os capítulos 10-13 foram escritos antes dos capítulos 1-9.
Todavia, deve-se ver que em ambas as seções (3:1; 10:16) Paulo indica que ele jamais aceitaria o tipo de auto-recomendação que seus oponentes em Corinto fizeram tão prontamente. Realmente, Paulo não vê nenhuma necessidade de cartas de recomendação para si mesmo aos Coríntios; eles mesmos são sua recomendação (3:2,3). Em 10-13 Paulo se refere àqueles que ainda discutem suas credenciais como apóstolo. Para eles, é necessária uma aproximação diferente, algo que possam entender.
A conjetura de que os capítulos 10-13 preservam uma parte da carta "áspera" e os três argumentos apresentados acima para sustentar essa conjetura são muito atrativos e até mesmo plausíveis. Eles são, todavia, mais acumulativos que conclusivos. As interpretações alternativas são igualmente convincentes. Mas há vários outros pontos em favor da integridade desta carta. A referência contida em 12:18, acerca do envio de Tito e um irmão, remonta muito claramente a uma mensagem anterior. Isto só poderia ter acontecido antes do envio de 10-13. Tito havia voltado de Corinto e foi então solicitado a retornar à presente carta (8:6, 16,17). De 12:18 e 8:6 vê-se que é impossível colocar 10-13 antes de 1-9. Somente a ordem tradicional de II Coríntios faz sentido com estes versículos das "duas" seções.
A absoluta falta de evidência dos manuscritos para a compilação pesa grandemente em favor da unidade de II Coríntios. Foi proposto que, pelo fato de o primeiro aparecimento de II Coríntios ter-se dado muito posteriormente ao de I Coríntios, algumas das cartas de Paulo sofreram desintegração, pela negligência. No segundo século, diz-se, alguns dos fragmentos que subsistiram foram editados para formar a nossa II Co¬ríntios canônica. Em resposta, A.T. Robertson fez a séria pergunta:
Podemos nós supor que essa interpolação seja tão séria de maneira a importar... na formação de uma epístola inteira de fragmentos hete¬rogêneos — ou mesmo a interpolação de qualquer uma das passagens em questão poderá ter ocorrido sem deixar tanto quanto uma ondula¬ção sobre as correntes da tradição textual?... Acreditamos que uma exegese paciente e circunspecta gradualmente dissolverá os argumen¬tos, à primeira vista muito tentadores, em favor da segregação dos capítulos X-XIII, e até mesmo talvez Vi. 14-Vii. 1 ("II Corinthians" em Hasting's Dictionary of the Bible, I, p. 497).
Com a falta absoluta de evidência conclusiva, em favor dos atraentes argumentos da fragmentação, a melhor conclusão ainda permanece a de aceitar-se a integridade de II Coríntios como uma unidade. As possíveis interrupções, durante o ditado, podem explicar muita parte do anacoluto e da digressão. A correspondência coríntia foi escrita durante uma situação histórica que se desenvolvia ativamente dentro de uma sociedade altamente imoral, e as condições para se manter a pureza do testemunho cristão eram, no máximo, precárias. Tal é a natureza humana que, dentro de uma carta com esta extensão, dois tipos de discipulado sempre aparecem: o obediente e o desobediente. Foi a estes dois grupos diversos, um na maioria e outro na minoria, que Paulo escreveu a carta que contém tais mudanças de atitude.
Todos os direitos reservados. Copyright © 1983 da JUERP
225:01
Hal-Int Hale, Broadus David
Introdução ao estudo do Novo Testamento. Tradução de
Cláudio Vital de Souza. Rio de Janeiro, Junta de Educação
Religiosa e Publicações, 1983.
453p.
1. Novo Testamento — Introdução. I. Autor. II. Título.
CDD – 225.01
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