COMENTÁRIO BÍBLICO EFÉSIOS. CAP.4.7-16

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

5. ELEMENTOS DA UNIDADE DO ESPÍRITO NA IGREJA —4.7-10

Os vários dons ministeriais existem para fortalecer a unidade do "corpo de Cristo". Eles são elementos vitais ao desenvolvi­mento sadio da Igreja através dos membros que compõem o corpo de Cristo. Esses elementos reforçam a unidade da Igreja. Cada membro é útil e importante no corpo. Um membro doente ou atrofiado no corpo perturba a unidade dos outros membros. Quando temos fome, não é suficiente o trabalho da boca; precisa-se do auxílio espontâneo das mãos e da mente para que a fome Seja saciada. Espiritualmente, o verso 7 mostra a importância e a necessidade de que cada crente trabalhe para e pela unidade do Espírito.

5.1. A graça é dada individualmente para a unidade da igreja — v. 7

"Mas a graça foi concedida a cada um de nós". As várias manifestações da graça de Deus alcançam particularmente "a cada um". Cada crente recebe de Deus a graça espiritual para manter o ritmo normal que o corpo vivo (a Igreja) necessita, através dos elementos que ajudam a unidade da Igreja. A "cada um" Deus tem dado uma função para compor a unidade do corpo com os demais membros e para a edificação do corpo de Cristo.

5.2. A capacitação espiritual para a unidade da igreja — v. 7

"Mas a graça foi concedida a cada um". Esta graça representa a capacitação espiritual dada por Deus a cada crente no sentido de contribuir para a unidade da Igreja. Não se trata de um único dom, mas de vários, a fim de que todos trabalhem obedecendo à cabe­ça. Os olhos só podem ver, porém jamais poderão apalpar ou tocar coisa alguma, o que é trabalho das mãos. As mãos, por sua vez, jamais farão o trabalho dos pés, e assim cada membro do corpo é importante naquilo que lhe foi destinado fazer. Na Igreja, nem todos podem ser pastores, ou profetas, ou ensinadores. Mas Deus deu a cada um, em particular, uma função específica no corpo de Cristo, a qual deve ser exercida para não prejudicar a unidade espiritual da Igreja.

5.3. A capacitação espiritual segundo a medida do dom de Cristo — v. 7

"Segundo a medida do dom de Cristo". Isso significa que "cada um" recebe a "graça" segundo a sua capacitação para trabalhar com aquele dom. Essa capacitação é, antes de tudo, trabalho do Espírito Santo. Se "cada crente" procurasse fazer o melhor na sua própria função, não haveria tantas facções, nem invejas, nem ciúmes no seio da igreja. Esses males prejudicam a unidade da Igreja.

5.4. A razão da unidade do Espírito na igreja — vv. 8-10

"Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, e deu dons aos homens" (v. 8). Inicialmente, esse versículo proclama a vitória de Cristo no Calvário, dando-lhe o direito de ser Senhor pleno e capaz de dar dons àqueles que o recebem por Salvador e Senhor.

5.4.1. O cumprimento das Escrituras v. 8

"Pelo que diz" são palavras que identificam o cumprimento de uma profecia citada pelo apóstolo das gentes (SI 68.18,119; 2 Co 6.16). O Salmo 68 fala do triunfo de Deus, representado pela volta da arca da aliança ao seu santuário original após a derrota dos inimigos de Israel. Do mesmo modo, Jesus triunfou na bata­lha contra o reino do mal e, em virtude dessa vitória, recebeu dons para dar aos seus aliados. Por isso, esse salmo se aplica à vitória de Cristo no Calvário. Cristo, conquistando o seu lugar no Céu, deu dons à Igreja.

5.4.2. O tríplice triunfo de Cristo sobre o pecado, a morte e o inferno v. 8

"Subindo ao alto" fala de sua subida e volta ao seio do Pai. A palavra "alto" indica a sua morada original — o Céu.

"... levou cativo o cativeiro". Alguns autores, apreciando essa parte do texto, dizem que o termo "cativeiro" é um hebraísmo que significa "os cativeiros", e esses cativeiros são os inimigos de Cristo, vencidos por sua ressurreição e sua ascensão ao Pai. Outros interpretam "cativeiros" como os homens vencidos pelo poder de Cristo e que agora o servem voluntariamente. Ainda alguns outros interpretam "o cativeiro cativo" como sendo os "poderes do mal" que antes escravizavam, mas que agora se tornaram escravos do Senhor Jesus pelo seu triunfo redentor.

Entretanto, sem desmerecer os demais exegetas, entendo os versos 8 a 10 da seguinte maneira: esses versículos formam um todo. No verso 8, Cristo, "subindo ao alto" com os lauréis de sua vitória, é capacitado, pelo seu triunfo, a dar dons à Igreja. Mas no versículo 9, diz que Ele (Cristo) "antes havia descido às partes mais baixas da terra", indicando o seu triunfo na terra, debaixo da terra e em cima, no Céu. Três domínios e conquistas totais, ou seja: o mundo dos homens (a Terra); o mundo dos espíritos dos homens mortos (Hades ou Seol) debaixo da terra, que não é sepultura, e o mundo da habitação de Deus (o Céu).

Voltando ao verso 8, o texto diz: "subindo ao alto" (depois de ter descido) "levou cativo o cativeiro". Que cativeiro é esse, realmente? Entendo que esse cativeiro representa os poderes que estavam sob o domínio de Satanás, como seja: o pecado, a morte e o inferno. O pecado está sob o domínio de Cristo porque Ele o quitou, livrando o homem da condenação (Rm 3.23; 6.23). Pela aceitação da obra da cruz, o pecado não tem mais domínio sobre o crente fiel (Rm 6.14). Jesus se fez pecado por nós (Hb 9.15) e cravou o pecado na cruz. A morte perdeu o domínio da sepultura porque Cristo ressuscitou pode­rosamente dentre os mortos. A ação da morte no crente está contida: ela só pode alcançar seu corpo material, nunca sua alma e espírito. O inferno perdeu seu domínio sobre o crente. O inferno é a habitação de espíritos e almas das pessoas que morrem. Antes da vitória no Calvário, o inferno recebia bons e maus, justos e injustos, mas separados por um abismo. Os justos ficavam no paraíso (descanso), e os ímpios, num lugar de tormento. Mas Jesus, pela sua vitória na cruz, trasladou o paraíso para o Alto (a presença de Deus), e hoje o inferno só recebe os ímpios, porque não há mais um paraíso "nas partes mais baixas da terra". A João, na ilha de Patmos, Jesus confirmou sua vitória, procla­mando: "Eu sou o primeiro e o último; e o que vivo e fui morto; mas eis aqui estou vivo para todo o sempre. Amém. E tenho as chaves da morte e do inferno" (Ap 1.17,18).

Ter domínio sobre a morte e o inferno significa que a morte tem poderes limitados e pode apenas tocar no corpo do crente, pois sua alma e espírito são conduzidos à presença de Deus. O poder da morte eterna não atingirá o crente, mas apenas o ímpio. O inferno jamais terá poder sobre o crente em Cristo, porque quando o crente morre fisica­mente, seu corpo desce à sepultura, mas sua alma e seu espírito sobem à presença de Deus. A morte do crente, depois da obra expiatória de Cristo, representa a vitória sobre o pecado, sobre a morte eterna (que é um estado consciente) e sobre o inferno. Na realidade, a morte física, para o crente, representa a sua conquista maior, isto é, o clímax da redenção! Pela vitória de Cristo, Ele recebeu o poder de conceder dons à sua Igreja, como veremos a seguir.

6. OS DONS ESPECÍFICOS PARA A UNIDADE DA IGREJA — 4.11

A palavra "dom" significa dádiva, e quando se trata de "dons de Cristo" refere-se às dádivas concedidas à Igreja, as quais a enriquecem e fortalecem a sua unidade através dos crentes. Esse direito divino de conceder "dons" representa os lauréis da vitória de Cristo e o direito pleno de Ele conceder dons à sua Igreja.

6.1. A distinção dos dons ministeriais — v. 11

"E Ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores". Na mente de Deus não há uma hierarquia ministerial seguindo uma ordem de valor, pois não teria sentido então a unidade do corpo. 0 destaque de uma função não representa uma posição mais importante que outra. Paulo fez questão de ensinar isso à igreja de Corinto com essas palavras: "Porque também o corpo não é um só membro, mas muitos. Se o pé disser: Porque não sou mão, não sou do corpo; não será por isso do corpo?" (1 Co 12.14,15). Os versos 17 e 18 aclaram ainda mais o texto de Coríntios: "Se todo o corpo fosse olho, onde estaria o ouvido? Se todo fosse ouvido, onde estaria o olfato? Mas agora Deus colocou os membros no corpo, cada um deles como quis".

A lição prática da "unidade do Espírito" quanto aos ministéri­os distribuídos, é que "cada um" deve assumir seu trabalho na Igreja, porque assim Deus o quer. Assim sendo, cada qual poderá dar o melhor de si para a unidade da obra do Senhor.

Esses dons são enumerados pelo apóstolo Paulo sem a preocu­pação de ordem ou grau. São dons concedidos àqueles que são nomeados ou ordenados para o ministério do seu corpo, a Igreja, no mesmo nível de valor e propósito.

6.1.1. Apóstolos

"E ele mesmo deu uns para apóstolos". Uma função no corpo de Cristo que não ficou restrita apenas aos discípulos de Jesus. Há uma forte corrente de interpretação que restringe esse ministério aos dias apostólicos, isto é, aos introdutores da Igreja Primitiva. Essa teoria assegura que "apóstolos" foram somente aqueles envi­ados imediatos de Jesus, isto é, os discípulos que estiveram com Ele fisicamente, presenciaram sua morte e foram testemunhas oculares de sua ressurreição (1 Co 15.4-8). Entretanto, o mesmo Jesus que enviou aqueles seus primeiros discípulos e enviou outros nos dias primitivos da Igreja, continua ainda hoje enviando, de forma especial, homens com uma missão delegada onde quer que se faça algum trabalho particular em favor de seu reino na face da Terra.

No grego, "apóstolo" significa mensageiro; enviado; delega­do. O Novo Testamento apresenta outros apóstolos além dos 12 discípulos de Jesus. No lugar de Judas Iscariotes entrou Matias (At 1.25,26). Depois, Paulo é reconhecido como apóstolo, e tam­bém Barnabé (At 14.14).

Há também uma corrente que ensina a sucessão apostólica e outra que rejeita a idéia da sucessão. A idéia da não-sucessão pode ser vista de dois modos. O primeiro afirma que, não haven­do sucessão dos apóstolos, não pode haver mais apóstolos, senão aqueles que foram reconhecidos na Igreja Primitiva. O segundo modo não admite a sucessão apostólica, mas crê na ação soberana e contínua de Cristo para chamar e enviar homens com uma missão especial, para realizar um trabalho que outro não fez.

A igreja católica romana defende a idéia da sucessão e coloca os papas como sucessores do apóstolo Pedro. Entretanto, não há no Novo Testamento sucessão apostólica no sentido de tomar o lugar de outrem. O que os primeiros apóstolos realizaram foi importante para a formação da Igreja no princípio, porém o mais importante não é a sucessão deles, e sim a continuidade do seu trabalho. Por isso, creio que Deus chama homens para o apostolado hoje. Paulo não foi sucessor de nenhum dos apóstolos que estive­ram com Jesus, nem tampouco Barnabé. O único nome citado no Novo Testamento que sucedeu a algum apóstolo foi Matias, que entrou no lugar de Judas Iscariotes (At 1.15-26).

Há um conceito errado quanto à função apostólica hoje. Chamam a alguns de apóstolos por causa de seu tempo de serviço na causa de Cristo ou por destaque em liderança pastoral. Entretanto, o ministério de apóstolo é tão importante quanto os demais ministérios expostos na mesma lista de Efésios 4.11. Pergunto, então: por que devemos ter evangelistas, pastores, mestres e profetas e não apóstolos, se esse ministério foi incluído no mesmo texto? É claro que não podemos generalizar a importância; ao contrário, queremos dar o devido valor a esse importante e necessário ministério na igreja atual. Entretanto, entendo que Deus comissiona certos homens para realizarem traba­lhos específicos, à semelhança de um David Wilkerson, D. L. Moody, Smith Wigglesworth, Jorge Müller, Gunnar Vingren, Daniel Berg, Hudson Taylor, Carlos Finney, Richard Wurmbrand etc.

6.1.2. Profetas

"... e outros para profetas". O ministério profético tinha um destaque notável na Igreja Primitiva. Cabia-lhe a função especial, através do Espírito Santo, de edificar, exortar e consolar (1 Co 14.3). Não significa apenas pregar ou ensinar a Palavra de Deus, mas a missão de receber diretamente do Espírito Santo, pelo dom da profe­cia, a habilidade de transmitir a Palavra do Senhor. O próprio signifi­cado da palavra "profeta" quer dizer "aquele que fala por outro". No sentido popular, a idéia que se tem do profeta é a daquele que revela °u prediz o futuro. Nos dias primitivos da igreja, vemos esse minis­tério bastante ativo, em que a vontade e a mente do Senhor eram expostos através dos profetas. Em Atos 13.1,2, lemos sobre alguns Profetas da igreja de Antioquia, na qual se destacaram alguns nomes como Barnabé, Simeão, Lúcio Cireneu, Manaem e Saulo. Atos 15.32 diz que "Judas e Silas eram também profetas e consolaram os irmãos com muitos conselhos e os fortaleceram". Ainda em Atos 11.27,28, fala-se de alguns profetas de Jerusalém que foram a Antioquia, destacando-se Ágabo, que profetizou sobre uma fome que haveria de vir a todo o mundo e foi cumprida no tempo de Cláudio César. Em Atos 21.8,9, as filhas do evangelista Filipe eram profetisas.

O ministério de profeta no Antigo Testamento era um ofício da parte de Deus. No Novo Testamento tem-se a impressão de ser, também, um ofício. Mas na lista dos "dons espirituais" (1 Co 12.10), a profecia aparece como "dom do Espírito". Como resolver o problema, então? E ofício ou dom? Ou é ofício e dom ao mesmo tempo? Alguns intérpretes fazem diferença entre dom e oficio, porém, em relação ao ministério profético no Novo Testamento, a profecia engloba tanto o dom como o ofício. Paulo, em 1 Coríntios 14.30, dá a entender que o profeta exerce sua função quando o Espírito Santo lhe inspira repenti­namente uma mensagem advinda duma súbita revelação e, obediente ao impulso do Espírito, transmite a mensagem de Deus.

Entendemos, então, que o ministério dos profetas na igreja é colocado entre outros ministérios porque é útil para a edificação da igreja. O profeta difere do apóstolo pelo fato de que o apóstolo exerce uma missão especial delegada pelo Senhor. O profeta difere do mestre porque o mestre, inspirado pelo Espírito, discorre sobre um ensinamento lógico e sistemático nas Escrituras; normalmente o mestre segue um raciocínio preestabelecido e apela mais à razão. O profeta difere do evangelista, pois este tem como função falar aos pecadores acerca das verdades divinas, procurando alcançar-lhes o coração. O evangelista apela mais para os sentimentos, para o coração, do que para a mente, pois busca decisões rápidas.

Estaria ultrapassado o ministério do profeta do Novo Testamento na atualidade? Seria mais um título do Novo Testamento dado ao pregador? Não! Existe o ministério de profeta no Novo Testamento, e a pregação pode receber o impulso profético na transmissão das verdades divinas. Devemos entender que o "profeta" na igreja é indispensável, e não significa simplesmente o dom de predizer o futuro, nem o de guiar a igreja em negócios particulares. Essencial­mente, o profeta não é um pregador, mas entendemos que um prega­dor pode exercer, na pregação, o ministério profético. Uma pregação devidamente ordenada com pensamentos lógicos e inspirados pode não ser uma mensagem profética, mas à medida que aqueles pensa­mentos vão sendo expostos, novas verdades espirituais são inspira­das ao pregador e se tornam, automaticamente, uma mensagem profética. Na verdade, o profeta é aquele que interpreta o sentimento do Espírito Santo para o povo. E um ministério que tem função poderosa, à parte a pregação. Quando o Espírito dá sobrenaturalmen­te uma mensagem ao profeta, e este a transmite com suas palavras essa profecia, ou mensagem divina, interpreta o desejo de Deus para a igreja. O ofício de profeta existe não para acrescentar outra verdade que não tenha base nas Escrituras, mas para edificar, exortar e consolar com base nas verdades já reveladas na Bíblia.

6.1.3. Evangelistas

"... e outros para evangelistas".

Este é outro ministério, cuja função é a de levar as Boas Novas de Cristo, o Salvador. Seu trabalho não é num lugar fixo, mas itinerante. É o que sai em busca dos perdidos e os traz à casa do Pai celestial.

É um ministério de suma importância dado à igreja, ou, mais especificamente, a homens escolhidos para fazerem esse traba­lho. Lamentavelmente, existe em alguns lugares uma idéia errada dessa missão. E um ministério tão importante quanto os demais, sem nada diminuir ou aumentar aquele que o exerce. E uma posição específica no corpo de Cristo, não obedece a uma ordem hierárquica, nem tampouco é uma posição inferior à de pastor. E uma função pouco reconhecida como ministério específico, se­melhante ao de Filipe, Timóteo e outros (At 21.8; 2 Tm 4.11).

É uma ordenação ministerial bem caracterizada e distinta dos demais ministérios, conforme Efésios 4.11.

O evangelista é aquela pessoa habilitada pelo Espírito para falar da salvação em Cristo. Os demais ministérios, como pastores e mestres, deixarão de ser sem o ministério do evangelista. E o evangelista quem leva os pecadores ao conhecimento de Jesus Cristo como Salvador, para, posteriormente, os pastores e mestres desenvolverem seus ministérios.

As marcas de um verdadeiro evangelista aparecem no poder sobrenatural da Palavra de Deus e nos sinais e maravilhas opera­dos por sua fé, levando as pessoas a Cristo.

O evangelista tem um ministério distinto entre os demais, mas não isolado, porque o evangelista é enviado pela igreja. E um ministério difícil e custoso, porque é ele quem vai na "frente da batalha" contra os poderes do mal. No entanto, são os demais ministérios que mantêm a conquista das almas.

6.1.4. Pastores

"... e outros para pastores". O ministério pastoral inclui outros títulos que representam a mesma função de pastor, tais como ancião, presbítero e bispo. Todos esses nomes têm o mesmo significado em relação ao ministério pastoral.

É o ministério mais desejado na atualidade, e isto se dá mais pela função atual de um pastor na igreja, que é o de exercer liderança sobre um povo em local fixo. Entretanto, o real signifi­cado de pastor, no grego, é "guardador de ovelhas". O exemplo mais claro desse significado está na identificação que Jesus fez acerca de si mesmo como "o bom Pastor que dá a sua vida pelas ovelhas" (Jo 1.11). Em outros textos do Novo Testamento, como Hebreus 13.20 e 1 Pedro 2.25; 5.4, os escritores identificam Cristo como o exemplo do verdadeiro pastor.

No princípio do Evangelho, com a formação de várias igrejas, houve a necessidade de homens piedosos e respeitados nas congrega­ções para as dirigirem. As primeiras igrejas eram entregues aos "anciãos" locais (At 11.30; 14.25; 20.17; 28). Por serem homens idosos e de larga experiência na vida, eram colocados na direção das igrejas. A palavra "ancião" referia-se mais à idade e posição deles, mas o título mais oficial era bispos ou presbíteros. Esse título indicava a idéia de uma posição de liderança na igreja local. Em outras palavras, eram pastores locais, cujo trabalho era o de alimentar o rebanho, protegê-lo dos falsos ensinos, conservar a sã doutrina, orientar os crentes na vida diária, conduzir as reuniões com "ordem e decência" (At 20.28; 1 Co 14.40; Tt 1.9,1 l;Tg 5.14; 1 Pe5.2; 2Pe2.11).

6.1.5. Mestres (doutores, ensinadores)

Até certo ponto, o pastor tem um ministério acompanhado do ensino. Ele pode exercer as duas funções. Entretanto, a função de "mestre" é específica no ministério cristão, que é ensinar a Palavra de Deus de forma lógica. Pelo fato de ser um ministério dado por Jesus, o Espírito Santo atua de maneira poderosa no sentido de aclarar as verdades divinas ensinadas aos crentes. O mestre podia ser ministro itinerante pelas igrejas. Seu trabalho era junto às almas ganhas pelos evangelistas e apóstolos. O Novo Testamento destaca Apoio como exímio ensinador; ele andava pelas igrejas ministran­do a Palavra de Deus (At 18.27; 1 Co 16.12; Tt 3.13).

É um ministério de extremo valor, mas pouco reconhecido, ou, então, prejudicado pelo sistema de governo de nossas igrejas, que, por não reconhecerem a importância de tal ministério, obrigam o "mestre" a pastorear. E como obrigar um lavrador a fazer o trabalho do alfaiate.

Igrejas sem mestres são igrejas fracas espiritualmente. Por isso, deve-se reconhecer a importância e a necessidade do minis­tério do ensino. E através do ensino sadio e racional, inspirado pelo Espírito Santo, que a igreja se justifica contra as falsas doutrinas e se fortifica contra os ataques espirituais de Satanás.

Quando os evangelistas realizam cruzadas, os ensinadores devem ser acionados para fortalecer a fé dos novos convertidos. Uma igreja não vive só de pregações; precisa também de ensino constante e firme.

6.2. O propósito dos dons ministeriais — vv. 12-16

Os dons ministeriais foram dados à igreja com objetivos espe­cíficos. Ainda que sejam manifestos em indivíduos, eles existem através de funções na igreja.

6.2.1. Há um tríplice propósito no uso dos dons ministeriais — v. 12

O aperfeiçoamento dos santos

A obra do ministério

A edificação do corpo de Cristo

Considerando cada um desses objetivos, podemos compreen­der a razão deles.

O termo "santo" designa todos os crentes vivos. Cada crente, em particular, necessita ser "separado do mundo", ou "não contaminado com as coisas do mundo", pois ser santo implica na busca da santidade. E uma condição e um processo em evolução, isto é, somos "santos" porque participamos da santi­dade do corpo de Cristo. Indica uma posição em Cristo e fora dEle; se não tivéssemos essa santidade em Cristo, jamais sería­mos aceitos perante o Pai doutra forma (Hb 12.14).

a. O aperfeiçoamento dos santos

A palavra "aperfeiçoamento" deve ser entendida no contexto da frase e em todo o texto de Paulo. Várias interpretações têm sido dadas à expressão "aperfeiçoamento dos santos". Pelo menos cinco idéias são sugeridas para a interpretação do texto que diz "... queren­do o aperfeiçoamento dos santos". A primeira sugere que a expressão significa a complementação do número de santos no corpo de Cristo; a segunda afirma que a palavra "aperfeiçoar" significa a renovação e a restrição do número dos santos; a terceira idéia é de que o sentido da palavra seria "limpeza que reduz e ordena a unidade perfeita no corpo de Cristo"; a quarta vê na palavra "aperfeiçoar" um estado de dinamismo, que reporta ao trabalho; a quinta e última preocupa-se com o sentido literal da palavra, isto é, "completar o que estava incompleto" ou "acabar com perfeição".

Portanto, "os santos" não são os crentes que já morreram, mas aqueles que procuram viver de acordo com os ensinos da Palavra de Deus. É o Espírito Santo quem aperfeiçoa os crentes, os santos no corpo de Cristo.

O verbo "aperfeiçoar" indica um processo relativo aos crentes fiéis. Deus não precisa ser santo pois Eleja o é, mas nós precisamos sê-lo.

b. A obra do ministério

O significado da frase está relacionado com o verso 11, pois entendemos que o "aperfeiçoamento dos santos" está implícito na obra dos que foram constituídos ministros.

Os dons são dados para "aperfeiçoar os santos". Indica a importância dos ministérios dentro da igreja. Esses ministérios são completos e satisfazem plenamente, à medida que eles funci­onam objetivando a unidade dos crentes em Cristo.

Esses ministérios são espirituais, pois são dados pelo Senhor. Nada têm a ver com funções eclesiásticas profissionais. São mi­nistérios dados por Deus, e os que os receberem devem desenvolvê-los na igreja. Esses ministérios são funções naturais. Eles não visam "posições" nem "senhorios", mas existem da mesma forma que outras atividades espirituais na igreja, ou seja, para o aperfei­çoamento do corpo de Cristo.

O bom desempenho da obra ministerial tem o propósito de preparar ou habilitar crentes para o serviço de Cristo. O trabalho do ministério restringe-se aqui, no contexto do verso 12, ao serviço em favor da igreja através dos "dons ministeriais".

c. A edificação do corpo de Cristo

A palavra "edificar" surge aqui como uma metáfora, pois indica uma edificação contínua e espiritual (At 9.31; 20.32; 1 Co 8.1; 14.3,4,17; 2 Co 10.8,23; 1 Tm 1.4).

É uma edificação de ordem espiritual feita sob a orientação do Espírito Santo. A Igreja é um edifício em construção, assim como o corpo místico de Cristo. Tanto a construção de um edifício quanto o desenvolvimento de um corpo vivo indicam trabalho, o que na igreja é feito pelo ministério.

Os dons foram dados à Igreja para que ela, através dos seus membros ativos, use esses dons espirituais e ministeriais na edificação e no desenvolvimento de si mesma, pois ela é o corpo de Cristo, sendo Cristo a cabeça. As figuras "edifício" e "templo" têm uma finalidade específica, que é falar do crescimento e da unidade da igreja.

6.2.2. A culminação do propósito dos dons ministeriais — vv. 13-16

6.2.2.1. O versículo 13 — "até que todos cheguemos" — indica um caminhar objetivo, vendo o alvo a ser alcançado. A palavra "até" indica um processo em realização, ou seja, alguma coisa que já começou e não pode parar. Os processos de edificação e aperfeiçoamento do versículo 12, através dos dons ministeriais, visam à culminação desse processo, que é a "unidade da fé" e o pleno conhecimento do Filho de Deus. O "conhecimento pleno do Filho de Deus" é a participação ilimitada na plenitude de Cristo, isto é, participar em tudo quanto Ele é e possui.

6.2.2.2. A palavra "todos" inclui todos os remidos em todos os tempos. "Todos" tem um sentido universal e coletivo. Não se trata aqui de indivíduos, mas de uma unidade de crentes remidos por Cristo.

6.2.2.3. "Até que todos cheguemos" aponta um alvo e aciona a gloriosa esperança de se alcançar esse alvo. Através da edificação e do desenvolvimento mútuo, o clímax espiritual desejado é possí­vel. O aperfeiçoamento total é coletivo, não uma questão individu­al. Cada crente, individualmente, deve procurar o seu aperfeiçoa­mento espiritual, mas nenhuma pessoa, por si só, alcançará esse "aperfeiçoamento". O meu aperfeiçoamento espiritual no corpo de Cristo se dará à medida que "todos" são aperfeiçoados coletiva­mente. A igreja é um todo, e os crentes participam desse "todo".

6.2.2.4. Que entendemos por "unidade da fé" (v. 13)? Observe que a unidade do Espírito fala de uma posição presente, mas a "unidade da fé" indica um futuro. Não se trata aqui da fé como um corpo de doutrinas, porém como "fé salvadora". Fé que con­duza o crente fiel ao seu destino eterno. Essa "unidade da fé" diz respeito ao "todo" da Igreja. É uma fé coletiva que leva a Igreja ao seu clímax. E uma fé coletiva porque só a fé pode produzir a unidade desejada durante o arrebatamento da Igreja, quando o "corpo", através de seus membros em toda a Terra, estará unido em tudo quanto é e possui.

6.2.2.5. "... e ao conhecimento do Filho de Deus" (v. 13). A palavra "conhecimento" aparece antecipada por outra no original grego, que é a palavra "pleno". Portanto, o "pleno conhecimento" abrange três esferas da vida do crente, isto é, alcança as áreas intelectual, experimental e espiritual. Na esfera intelectual, obtemos esse conhecimento através do estudo e da meditação. Na experimental, esse conhecimento diz respeito à comunhão com o Filho de Deus: só Ele pode conceder ao homem essa experiência. Na espiritual, esse conhecimento tem a ação do Espírito Santo no trabalho de iluminar o nosso entendimento (Ef 1.18,19).

Conhecer o Filho de Deus implica uma relação autêntica, pessoal, espiritual e real com aquEle a quem o centurião, ao pé da cruz, reconhecendo, disse: "Verdadeiramente este é o Filho de Deus". Não se trata de uma idéia ou coisa imaginária, mas de um fato baseado numa experiência com o Filho de Deus, que é pessoa (Rm 1.4; Gl 2.20; 1 Ts 1.10).

6.2.2.6. "Para que não sejamos mais meninos inconstantes" (v. 14). No original grego, a palavra "meninos" aparece como nepioi, que significa infantes ou criancinhas que ainda não falam. Dá a idéia de crentes-meninos, isto é, imaturos e inseguros. A expressão "meninos inconstantes" contrasta com esta outra — "varão perfeito" (v. 13).

Que tipos são esses "meninos inconstantes"? São aqueles crentes facilmente agitados por circunstâncias, sujeitos a mudanças provocadas por "ventos" de doutrinas falsas. São aqueles que naufragam nas dúvidas espirituais e se deixam levar pelo desânimo, que lhes causa o abandono da fé recebida. Paulo usa expressões náuticas para ilustrar aqueles que se "agitam" e são "levados" por heresias e crenças absur­das. São os que facilmente vacilam na fé quando surge qualquer "vento" de doutrina. A continuação do versículo mostra a causa que leva esses "meninos inconstantes" na fé a vacilarem. Os que trazem esses "ventos" são homens que, com astúcia, enganam fraudulosamente. A expressão "engano dos homens" tem um sentido mais claro para entendermos o ensino de Paulo. A palavra "engano" pode ser trocada por "estratagema", que significa originalmente "jogo de dados". En­tende-se, então, a mesma palavra "estratagema" por truque. Assim como os jogadores usam de truques (engano) no jogo de dados, assim, também, homens perniciosos a serviço de Satanás usam de formas maliciosas para enganar os mais fracos na fé, com ensinos errados que ferem frontalmente a Palavra de Deus. Para que o crente cresça na fé, até a perfeita varonilidade de Cristo, é preciso conhecer a Cristo através do ensino correto da Palavra de Deus.

6.2.2.7. "Antes, seguindo a verdade em caridade" (v. 15). Numa versão em espanhol, a frase aparece assim: "sendo verda­deiros em amor", o que dá um significado mais claro e mais profundo. De fato, o amor é a base da verdade a ser seguida (1 Co 13). No grego, o vocábulo aletheuo dá a idéia de seguir ou dizer a verdade, mas significa um sentido mais estrito da expressão "ser verdadeiro". Parece-me que entre "seguir a verdade" e "ser verda­deiro", a última expressão é mais envolvente e responsiva. "Dei­xar o erro" é abandonar o erro para "ser verdadeiro".

Há um conceito falso de justiça no que diz respeito a "ser verdadeiro". Existem os que se esforçam para ser verdadeiros sem amor, o que torna impossível o exercício da verdade, pois ela é nivelada pelo amor. A atmosfera da verdade é sentida pelo exercí­cio do amor, que impele a vida veraz do crente. Num mundo de mentiras, a verdade surge como espada de dois gumes, cortante e imparcial. Visto que o amor é o princípio normativo da vida do crente, a verdade torna-se uma estrada aberta a ser seguida. O amor é a contraposição ao erro e à mentira. Por isso, sem amor é difícil seguir a verdade. A verdade combate o erro baseada no amor.

A continuação do verso 15 diz: "cresçamos em tudo naquele que é a cabeça". A maturidade espiritual resulta de um cresci­mento que é notado pelas atitudes adultas e firmes, indicando que o "estado de infância" já passou. A expressão "cresçamos em tudo" diz respeito ao desenvolvimento da fé (crença) nas atitudes, não mais infantis, mas atitudes maduras, com os pés firmes no chão, ao invés de levianas. E um desenvolvimento "em tudo", isto é, nas relações sociais, com Deus e com nós mesmos. É um crescimento espiritual em que a cabeça, que é Cristo, comanda a vida do crente. Visto que é a cabeça que comanda o corpo, à medida que o crente vai crescendo, seu crescimento é assumido pela cabeça, Cristo. Russell N. Champlin, na obra O Novo Testamento interpretado, diz: "O desenvolvi­mento espiritual, em todas as suas dimensões, tem por fim atingir dois grandes alvos — o ético e o metafísico. E o caminho da "verdade" e do "amor" é o caminho mediante o qual atingi­mos esses alvos.

6.2.2.8. O ajustamento do corpo v. 16"... do qual todo o corpo, bem ajustado, e ligado pelo auxílio de todas as juntas, segundo a justa operação de cada parte, faz o aumento do corpo, para sua edificação em amor". Um crescimento dese­quilibrado prejudica o funcionamento normal do corpo. Por isso "todo o corpo", isto é, o corpo inteiro, cresce e se desen­volve por meios naturais e normais, a fim de que "cada parte" funcione em perfeita cooperação com as demais. É maravilho­sa a perfeição da unidade dos membros do corpo. Nenhuma parte ou membro funciona independentemente. Ainda que te­nha sua distinção e função no corpo, trabalha em cooperação para a unidade; unidade essa comandada pela cabeça. O corpo inteiro depende do Senhor do corpo. O crescimento e movi­mento do corpo está na obediência à cabeça. A provisão desse corpo depende do Senhor dele. A finalidade do crescimento do corpo de Cristo (a Igreja) significa o crescimento de cada parte do corpo numa justa cooperação. Nenhum membro do corpo se individualiza nem se isola dos demais membros, nem busca um crescimento próprio, mas busca o crescimento de todo o corpo. O corpo é um, por isso o crescimento espiritual do crente deve visar o crescimento de todos os demais irmãos em Cristo. Trata-se de um crescimento "em amor", visto que o amor procura a edificação de todo o corpo. Não se trata de um crescimento numérico, mas espiritual. O amor é "o vínculo da perfeição" (Cl 3.14). O amor propicia a cooperação mútua e abomina o egoísmo. Essa cooperação envolve o mesmo ideal — obediência à cabeça, Cristo. Esse amor é mais que um amor com sentido filosófico: é um amor real e busca a unidade do Espírito (Ef 4.3).

 

 

 

 

 

 

*Extraído do livro: Comentário Bíblico Efésios.Elienai Cabral.CPAD.pp.47-56,3°ed.1999.Rio de Janeiro, RJ.

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