OS DONS ESPIRITUAIS

sábado, 18 de setembro de 2010

Os dons espirituais

O Brasil e o mundo têm vivenciado, nos últimos setenta anos, uma efervescência de dons espirituais, em razão da redescoberta do poder do Espírito Santo. Evidentemente, muitas coisas nos meios pentecostais e neopentecostais são expressões de excessos e de imaturidade, todavia, conquanto precisem de alguns ajustes bíblicos, os movimentos pentecostal e neopentecostal refletem uma ação efetiva, nova e revolucionária do Espírito Santo na vida da igreja atual.

Assuntos tais como milagres, línguas estranhas, profecias, considerados anacrônicos, obsoletos ou verdadeiros apêndices por algumas denominações tradicionais foram redescobertos e liberados das algemas dos dogmas e das sistemáticas denominacionais. O Espírito Santo deixou de ser teoria para ser Alguém real — Deus presente e adorado pela igreja, causando extremo impacto aos denominacionalistas históricos.

Faz-se necessário dizer que esses movimentos divinos vêm sempre como contraponto a uma situação de morbidez, frieza e indiferença na área da devoção, da missão e dos objetivos, razão por que a proposta essencial dos grandes avivamentos da história foi consertar erros de percurso tomados pela Igreja. Assim foi entre o catolicismo e o protestantismo; depois, entre o protestantismo e movimento evangélico; depois, entre o movimento evangélico e o pentecostal. Todas essas mudanças fazem parte do mover de Deus na história, mudando o status quo da Igreja, principalmente quando este já não atende aos apelos do Reino de Deus.

Acerca dos dons espirituais temos cinco considerações a fazer:

1. Não se pode restringir nem absolutizar o número de dons. O Novo Testamento não traz uma lista exaustiva e específica de dons, isso porque cada lista acrescenta algo à outra. Enquanto Romanos 12.6-8, por exemplo, apresenta uma lista característica de dons, 1Coríntios 7.7 exibe outra; já os capítulos 12 e 14 de 1

Coríntios apresentam outros dons, que não encontramos nas duas primeiras listas. Efésios 4.11-13 apresenta uma quarta lista, e, finalmente, 1 Pedro 4.10,11 compõe uma quinta. Ou seja, as listas são diversas — umas com mais, outras com menos dons; umas nas quais faltam dons, outras em que eles são acrescentados. Logo, não devemos dogmatizar a respeito do assunto, afirmando que os dons existentes são aqueles acerca dos quais o Novo Testamento fala. Primeiro, porque o Novo Testamento não nos oferece uma lista exaustiva de dons. Segundo, porque cada escritor deixou de citar uma série, que outros mencionam, o que significa que na mente deles não havia a sistematização que encontramos em alguns livros atuais.

2. Os dons são mais numerosos do que aqueles que o Novo Testamento apresenta. A indicar pelo estudo do Novo Testamento, concluímos que os dons podem ser mais numerosos do que aqueles que comumente aceitamos. De qualquer maneira, porém, todos os dons têm que, fundamentalmente, fazer sentido com o espírito geral da Escrituras. Ou seja, Deus é soberano para prover novas formas de manifestar a sua graça através da vida humana.

3. Dons espirituais são diferentes de talentos naturais e de habilidades adquiridas. Talentos e habilidades podem ser também usados na obra de Deus. No entanto quem os usa apenas de forma natural ficará muito aquém das suas reais possibilidades como homem ou mulher de Deus. Estará também desprezando algo que, afinal de contas, foi providenciado por Deus "a cada um para o que for útil” (1 Co 12.7). E não devemos nos contentar com menos do que aquilo que Deus tem para nós.

4. Dons espirituais não são para transformar pessoas em seres superespirituais nem para tomar alguém melhor ou superior a outros crentes. O batismo no Corpo de Cristo, que é diferente do batismo com o Espírito, coloca-nos em situação de igualdade com os demais membros do Corpo, criando entre nós uma união essencial.

5. Todos os dons são importantes, até os menos aclamados pela teologia sistemática. Temos um problema sério aqui, porque muitos pentecostais tendem a classificar alguns dons como mais importantes que outros. Mas a verdade é que todos obedecem a uma ordem de utilidade comunitária. Apresentamos, a seguir, alguns desses dons não tão proclamados nos meios pentecostais.

a) O dom de serviço (no grego, diakonia, Rm 12.6-8) — Desse vocábulo deriva a palavra "diácono". Geralmente o termo significa o cuidado das necessidades físicas (At 6.1,2). A pessoa que serve a outrem guiada pelo dom do Espírito, faz, por vezes, o mesmo que outros fariam simplesmente por motivos humanitários. Mas há, sem dúvida, duas diferenças notáveis: o dom espiritual resulta numa maior efetividade, graças ao poder sobrenatural, e o motivo será certamente o que Pedro indicou: "[...] para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo [...]".

b) O dom do ensino (no grego, didakson, Rm 12.6) — Esse dom tem por finalidade instruir e consolidar os outros na verdade do Evangelho. Os dons descritos na lista da Primeira Carta aos Coríntios como "palavra da sabedoria" e a "palavra da ciência [ou do conhecimento]" estão estreitamente relacionados com o dom de ensinar. O ensino não se limita às palavras, é também produzido através do exemplo e da influência sutil do caráter daquele que ministra o ensino.

c) O dom de exortar (Rm 12.6-8) — O termo grego para "exortar" éparakleto, que significa "ajudador" — literalmente, "ir em socorro de alguém" em qualquer necessidade. É uma espécie de "estimulador da fé". Encorajamento ou conforto é a aplicação desse dom, "pondo um coração novo" naqueles que tenham sofrido derrotas ou perdas ou que estejam sob provações.

d) O dom de contribuir — Significa mais do que dar no sentido filantrópico. Significa dar com o coração cheio do amor de Deus. Isso significa que esse dom vai além da mordomia cristã.

e) O dom de presidir (ou governo, Rm 12.8). Literalmente, significa "tomar o comando ou diretivas de qualquer grupo". Duas palavras são utilizadas no Novo Testamento com respeito a esse dom: proístemi (Rm 12.8) e kybérnesis (1 Co 12.28). A primeira significa "estar à frente, comandar", e a segunda, "administrar", conceitos que se entrelaçam. A palavra adjetivamente relacionada ao dom de presidir é "diligentemente", isto é, com sinceridade, zelo, e de forma metódica. O governo exige visão, paciência, consistência quanto a objetivos e força de von¬tade para continuar quando outros desistem. Quem governa deve governar em cima de cada situação, ser interessado, não afrouxar nos padrões de controle, estar sempre à frente, tocando as coisas com garra. É também quem planeja e induz os outros a se empenharem na realização dos planos. É uma espécie de organizador de programas.

f) O dom da compaixão (Rm 12.8) — O portador desse dom sente alegria, tem empatia, se compadece da dor do próximo, é misericordioso para com os irmãos, ajuda quem não tem condições de ajudar-se a si mesmo. O dom da compaixão move as ações sociais mais sublimes.

g) O dom do socorro (1 Co 12.28) — Os que possuem tal dom geralmente investem a sua vida na perspectiva de serviço aos cristãos em dificuldades. São aquelas pessoas que receberam do Espírito Santo a sensibilidade para detectar problemas sérios, pressentir onde estão os verdadeiros carentes, experimentando prazer em permanecer junto deles.

A segunda lista paulina de dons espirituais encontra-se em 1 Coríntios 12.7-11. Algumas diferenças apreciáveis são evidentes quando a comparamos com a lista da Carta aos Romanos. O único dom comum às duas listas é o da profecia, o qual Paulo considera, em 1 Coríntios 14, superior aos demais. Sugeriu-se que os dons mencionados na Carta aos Romanos são parte da vida cotidiana da comunidade cristã, sendo que a esse grupo de dons pertenceriam os mais extraordinários, os mais transitórios e os menos universais. O fato de as listas serem tão diferentes mostra-nos que os dons espirituais abarcam um número de capacidades para muito além do que aquilo que geralmente pensamos. É possível que a diferença existente entre as duas listas sugira a situação de cada uma das igrejas a que Paulo escreveu. A igreja em Roma parece ter sido uma comunidade bem mais estável e espiritual. Não estava envolvida em lutas internas nem sob o ataque de doutrinas heréticas. A igreja em Corinto, ao contrário, era a que dava mais problemas na época. Estava dividida em facções (1 Co 1.10—3.23), revoltada contra a autoridade de Paulo (4.1-21), maculada pela imoralidade (5.1-13) e por litígios (6.1-8). As suas ceias haviam-se convertido em glutonarias e bebedices (11.8-34). Doutrinas heréticas eram toleradas até o ponto de uma negação geral da ressurreição (15.1-8). Nota-se uma melhoria no intervalo entre a primeira e a segunda epístola, mas ainda estava muito longe de ser uma igreja estável (2 Co 13.1-10).

 

 

 

 

 

 

 

*Extraído do livro: Manual de Doutrina das Assembléia de Deus no Brasil.pp.29-31,.6°ed.2006.CPAD.

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