A Grandeza do Apóstolo Paulo

quinta-feira, 23 de junho de 2011

 

A Grandeza do Apóstolo Paulo

Sermão de João Crisóstomo:

João Crisóstomo (conhecido como "Boca de ouro") é, depois dos apóstolos, o pregador mais famoso na história do Cristianismo. Nas­ceu em Antioquia, em 347, e morreu em Ponto, em 4O7. Começou o estudo da retórica e mostrou grande promessa para o futuro, mas, mediante os esforços piedosos de sua mãe, Antusa, ele abraçou o Cristianismo e se retirou para o deserto, onde passou dez anos em meditação e renúncia. Depois, tornou-se diácono e, mais tarde, presbítero em Antioquia. Logo chamou a atenção como pregador, sobretudo através de uma série de sermões sobre as estátuas, prega­do numa época em que o imperador Teodósio pretendia lançar seve­ras represálias contra o populacho de Antioquia, onde suas estátuas haviam sido destruídas numa revolta.

Como arcebispo de Constantinopla, Crisóstomo pregou corajo­samente contra as políticas da imperatriz Eudoxia. Sua atitude inflexí­vel para com o tribunal e os clérigos licenciosos e avarentos fizeram-no vítima de uma conspiração eclesiástica, e ele foi condenado por contumácia pelo sínodo conclamado pelos seus inimigos e levado a Bitínia. A fúria popular era tão grande que o imperador teve de chamá-lo de volta. Mas logo o enviaram para o exílio outra vez e, depois de ser levado de lugar em lugar, faleceu a caminho do deserto de Pítio.

Seus sermões são na maioria expositivos ou comentários fluen­tes sobre o texto de uma passagem bíblica. Deste modo, ele cobriu grandes porções do Novo Testamento. Crisóstomo tinha amplo al­cance e poderia dedilhar cada nota do coração humano. Um dos exemplos mais nobres de sua eloquência é sua última homília sobre a Epístola aos Romanos. Não é apenas um dos melhores exemplos de eloquência patrística, mas talvez o maior tributo que jamais foi dado ao apóstolo Paulo.

A Grandeza do Apóstolo Paulo

QUEM há de orar por nós, desde que Paulo partiu? Estes que são os imitadores de Paulo.

Apenas nos consideremos dignos de tal intercessão a fim de que não seja que ouçamos só a voz de Paulo aqui, mas que, no futuro, quando tivermos partido, sejamos também contados dignos de ver o lutador de Cristo. Ou, antes, se o ouvirmos aqui. Certamente o veremos no outro mundo, se não perto dele, ainda o veremos com certeza, brilhando perto do trono do Rei. Onde os querubins cantam a glória, onde voam os serafins, lá veremos Paulo, com Pedro, e como chefe e líder do coro dos santos, e desfrutaremos seu amor generoso. Pois se quando estava aqui ele amava tanto os homens, que, tendo a escolha de partir e estar com Cristo, escolheu ficar aqui, muito mais ali ele mostrará um afeto mais caloroso.

Eu amo Roma até por isso, embora tenha-se de fato outra base para louvá-la, por sua grandeza, antiguidade, beleza, população nu­merosa, poder, riqueza e sucessos na guerra. Mas deixei passar tudo, e a estimo abençoada por conta disto: que em sua vida ele lhes escre­veu, amou-os tanto, falou com eles enquanto estava conosco e sua vida chegou a um fim ali. Portanto, a cidade é mais notável sob este aspecto do que sob todos os outros juntos. E como corpo grande e forte, tem como dois olhos brilhando os corpos desses santos. O céu não é tão luminoso, quando o sol envia seus raios, como é a cidade de Roma enviando estas duas luzes a todas as partes do mundo. Daquele lugar Paulo será tomado, como também Pedro. Apenas con­sidere e estremeça com o pensamento de que visão Roma verá, quan­do Paulo surgir de repente daquele depósito, junto com Pedro, e for elevado para o encontro com o Senhor. Que rosa Roma enviará para Cristo! Que duas coroas a cidade terá! Com que correntes douradas ela será cingida! Que fundações possuem! Portanto, eu admiro a cida­de, não pelo muito ouro, nem pelas colunas, nem por outro aparato ali encontrado, mas por estes pilares da Igreja.

O que seria se me fosse dado lançar-me em volta do corpo de Paulo, ser cravado ao túmulo e ver o pó daquele corpo que "supria o que estava faltando" de Cristo, que trazia "as marcas", que semeou o Evangelho em todos os lugares, sim, o pó daquele corpo pelo qual ele andou por todos os lugares! O pó daquele corpo pelo qual Cristo falou e a luz brilhou mais luminosa que um raio, e a voz saiu (mais terrível que um trovão para os demônios!), pelo qual ele arti­culou aquela voz abençoada, dizendo: "Eu mesmo poderia desejar ser amaldiçoado, por meus irmãos", com a qual ele falou: "Perante reis, eu não me envergonhei", com a qual viremos a conhecer Pau­lo, com a qual também viremos a conhecer o Mestre de Paulo. Não nos é tão terrível o trovão, como foi essa voz aos demônios! Pois se eles estremeciam ao ver as roupas dele, muito mais estremeciam diante de sua voz. Esta voz os levou cativos, limpou o mundo, pôs um basta às doenças, expulsou vícios, elevou a verdade bem alto, fez Cristo cavalgar sobre ela e em todos os lugares saiu com ele; e como de querubim era a voz de Paulo, pois assim como o querubim estava assentado sobre esses poderes, assim ele estava na língua de Paulo. Porque tinha se tornado merecedor de receber Cristo falando somente as coisas que eram aceitáveis a Cristo, e voando como serafim a alturas indizíveis! Pois que mais sublime do que aquela voz que diz: "Porque estou certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o pre­sente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor!" (Rm 8.38,39)? Que remígios este discur­so não parece ter a vocês? Que olhos? Era devido a isso que ele disse: "Porque não ignoramos os seus ardis" (2 Co 2.11). Por causa disso, os demônios não só fogem ao ouvi-lo falar, mas até ao verem as suas roupas.

Esta é a boca, de cujo pó eu gostaria de ver, pela qual Cristo falou coisas grandiosas e secretas e maiores do que em sua própria pessoa (pois assim como Ele fez, assim Ele também falou maiores coisas pelos discípulos), pela qual o Espírito deu ao mundo esses oráculos maravilhosos. Por qual coisa boa essa boca não operou? Por ela os demônios foram expulsos, os pecados libertados, os tiranos amordaçados, as bocas de filósofos caladas, o mundo levado para Deus, os selvagens persuadidos a aprender sabedoria, a ordem da terra foi alterada. As coisas no céu também ela dispôs do modo como quis, prendendo quem seria preso e soltando no outro mundo "de acordo com o poder que lhe foi dado".

Não só da boca, mas do coração também eu gostaria de ver o pó, o qual o homem não erraria em chamar o coração do mundo, fonte de bênçãos incontáveis e um começo e elemento de nossa vida. Pois o espírito de vida foi abastecido de tudo isso, e distribuído pelos membros de Cristo, não como sendo enviado pelas artérias, mas por livre escolha de boas ações. Esse coração era tão grande quanto a abranger cidades, povos e nações inteiras. "Pois o meu coração", diz ele, 'está aumentado". Contudo, até um coração tão grande assim, a caridade que o aumentou muitas vezes o deixou apertado e oprimi­do. Pois ele diz: "Porque, em muita tributação e angústia do coração, vos escrevi, com muitas lágrimas" (2 Co 2.4). Eu desejaria ver esse coração mesmo depois de sua decomposição, que ardia por todo aquele que estava perdido, que sofria dores de parto uma segunda vez pelos filhos que tinham provado o aborto, que via a Deus ("pois os puros de coração", diz ele, "verão a Deus"), que se tornou um sacrifício ("pois o sacrifício para Deus é um coração contrito"), que era mais sublime que os céus, que era mais largo que o mundo, que era mais brilhante que os raios do sol, que era mais quente que o fogo, que era mais forte que o diamante, que enviou rios ("pois rios", diz ele, "de água viva fluirão do seu ventre"), nos quais estava uma fonte que brota e dá de beber, não à face da terra, mas às almas dos homens, dos quais não só rios, más até fontes de lágrimas vertiam dia e noite, que viviam a vida nova, não esta nossa (porque "eu vivo", diz ele, "ainda que não eu, mas Cristo vive cm mim", assim o coração de Paulo era o seu coração, uma tábua do Espírito Santo e um livro da graça); que tremia pelos pecados dos outros (pois "eu temo", diz ele, "que por algum meio eu vos tenha labutado em vão; para que como a serpente iludiu Eva; temendo que quando eu vier não vos ache como eu quereria"); o qual temeu por si mesmo e também estava confiante (porque eu temo, diz ele, "para que, pregando aos outros, eu mesmo não venha de alguma maneira a ficar reprovado", 1 Co 9.27). E, "estou certo de que nem [...] os anjos, [...] nem as potestades [...! nos poderá separar" (Rm 8.38,39); que foi contado digno de amar a Cristo como nenhum outro homem o amou; que menosprezou a morte e o inferno, não obstante ficou quebrantado pelas lágrimas de irmãos (pois ele diz: "Que fazeis vós, chorando e magoando-me o coração?", At 21.13); que sofria com paciência, ainda que não podia suportar estar ausente dos tessalonicenses pelo espaço de uma hora!

Anseio ver o pó das mãos que estavam em correntes, por cuja imposição o Espírito foi concedido, através das quais os escritos divi­nos chegaram até nós, pois: "Vede com que grandes letras vos escrevi por minha mão" (Gl 6.11), e, novamente: "Saudação da minha pró­pria mão, de mim, Paulo" (2 Ts 3-17); dessas mãos à vista das quais a serpente "caiu no fogo".

Almejo ver o pó dos olhos que ficaram cegos gloriosamente, que recuperaram a visão para a salvação do mundo; que até no corpo foram contados dignos de ver a Cristo, que viu coisas terrestres, em­bora não as visse, que viu as coisas que não se veem, que não viu sono, que estavam alertas à meia-noite, que não foram afetados como os nossos olhos o são.

Também veria o pó dos pés que percorreram o mundo e não se cansaram, que estavam presos no tronco quando a prisão foi sacudi­da, que passaram por regiões habitadas ou despovoadas, que cami­nharam em tantas jornadas.

E por que preciso falar dos membros? Eu veria o túmulo onde a armadura da justiça foi posta, as armas da luz, os membros que agora vivem, mas que em vida foram mortificados; e em todos os membros de quem Cristo vivia, que estavam crucificados para o mundo, que eram membros de Cristo, que eram revestidos em Cristo, eram templo do Espírito, edifício santo, "unidos no Espírito", cravados ao temor de Deus, que tinham as marcas de Cristo. Este corpo é um muro para aquela cidade, que é mais segura que todas as torres e que milhares de ameias. E com ele está o túmulo de Pedro. Ele o honrou enquanto vivia. Ele "subiu para ver Pedro" e, então, mesmo quando faleceu, a graça o permitiu ficar com ele.

Eu veria o leão espiritual. Assim como o leão respira fogo sobre bandos de raposas, assim ele se arrojou sobre o clã de demônios e filósofos, e como o estouro de um raio foram derrotadas as hostes do Diabo. Pois ele nem mesmo veio para dispor a batalha em ordem contra si, visto que ele temeu tanto e tremeu diante dEle, como se visse sua sombra e ouvisse sua voz, ele fugiu até certa distância. E assim livrou de si o fornicador, embora a certa distância, e outra vez o arrebatou das suas mãos; e assim outros também, para que fossem ensinados a "não blasfemar". E considerem como Ele enviou seus próprios seguidores contra ele, despertando-os, provendo-os. E certa vez ele diz aos efésios: "Não temos que lutar contra carne e sangue, mas. sim, contra os principados, contra as potestades" (Ef 6.12). Então ele também põe nosso prêmio nas regiões celestiais. Pois não luta­mos pelas coisas da terra, diz ele, mas pelo céu e as coisas dos céus, E para os outros, ele diz: "Não sabeis vós que havemos de julgar os anjos? Quanto mais as coisas pertencentes a esta vida?" (1 Co 6.3).

Sejamos nobres, pondo tudo isso no coração; pois Paulo era ho­mem, participante da mesma natureza conosco e tendo tudo o mais em comum conosco. Mas pelo fato de ter mostrado tão grande amor por Cristo, ele foi acima dos céus e ficou com os anjos. E assim tam­bém se nós nos despertarmos um pouco e nos inflamarmos nesse fogo santo, poderão emular esse homem santo. Fosse isso impos­sível, ele nunca teria bradado a plenos pulmões e dito: "Sede meus imitadores, como também eu, de Cristo" (1 Co 11.1). Não nos colo­quemos tão somente a admirá-lo, ou fiquemos apenas impressiona­dos com ele, mas o imitemos para que também nós, quando partir­mos, sejamos contados dignos de ver e compartilhar a glória indescritível, a qual Deus conceda que todos a alcancemos pela graça e amor para com o homem de nosso Senhor Jesus Cristo, por quem e com quem seja a glória ao Pai, com o Espírito Santo, agora e eterna­mente. Amém.

 

FONTE: EBD AREIA BRANCA

 

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